Debaixo do vazio
sem a merreca para um carlton,
de quente só um pingado na portaria
da repartição. sem mesmo nada,
nem para dizer que tá difícil.
o ketchup do hot-dog na camisa branca
– tô de sangue por aí, procurando trampo.
é tudo muito certo, ninguém duvida,
o vermelho, manchando
o fundo dos olhos das pessoas, não erra,
agarra em meu peito sem direito,
até porque foi de uma dona que se esbarrou em mim.
sem a besteirinha do buzão,
paletando por entre caras desformes
em série, como a nota de dez no chão,
rasgada, valor sem valor em minhas mãos.
mas há um vento que vem vindo,
agora esqueço para ir que nem fumaça de cigarro.
Temporã
a cara da recepcionista
tem um desejo de morte.
em cada segundo de sua fala
a repulsa me sobe à garganta.
cada sonho negado, como quem goza,
peida. suas mãos carregam a lembrança
da última encosta que cedeu na chuva,
de vez em vez até respondem
aos espasmos musculares que emanam taciturnos
bom dia! em que posso ajudar?
em seu nariz os corpos putrefatos,
a língua queimando na acidez
que deve ao alimento a digestão,
os bicos dos seios em paz
com o clitóris, vencidos pelos dias
bom dia! em que posso ser útil?
(queria socar a sua cara)
mas tive pena,
não dela – de mim
por ter cá esta inveja
vestida de saudade
Capítulo um
quando as tristezas unem os homens
tornando-se o fio no diálogo do dia
a conduzir a um mínimo de vida
(a respiração ante se conforta)
rompe-se a membrana que antecede
a casca parte-se a casca
mais um nascimento
na conversa do vento com o sopro
nosso de cada dia de cada dente
perdido de cada drenagem linfática
dar-te-ão muitos likes
a tarde e o movimento dos olhos / na tela
nada mais é preciso: há uma janela
lentamente
um rio
o movimento é o destino da dor – como
uma mensagem de amor
não há salvação
é preciso deixar-se ir
Primeiro passeio de bicicleta
.
O homem que pedala que ped’alma
com o passado a tiracolo,
ao ar vivaz abre as narinas:
tem o por vir na pedaleira.
Alexandre O’neill
nos pedais o corpo
alto e baixo nos pedais
os dias sob a nudez
do metal lírico cortando
a potência que passou
a velocidade que atrai também
passou o cheiro do mato verde
sobre o guidão e o refluxo
pedalo perto do chão
flutuo com as marcas
do veludo ao Veloso ao veludo
a pele são os dias
tudo cabe tudo pode
nos pedais o corpo
alto e baixo nos pedais
Poema de o criador de santos
uma velhinha de xale
põe a boca no pescoço de outra
a saliva misturando-se com o perfume
a língua e os dentes como crucifixo
enquanto reificadas eram postas
em lugares comuns nos dias
em que seus olhos fechados não viam
mergulhados no gozo calmo
das coisas que ficam
põe a boca no pescoço de outra
a saliva misturando-se com o perfume
a língua e os dentes como crucifixo
enquanto reificadas eram postas
em lugares comuns nos dias
em que seus olhos fechados não viam
mergulhados no gozo calmo
das coisas que ficam
§
O peso de sentir! O peso de ter que sentir Livro do Desassossego – F.P.
olhávamos para as músicas
as palavras do jornal olhávamos
para o vento assobiando na greta
as valas abertas sob o sol olhávamos
para o voo do beija-flor
as marcas no tempo
para o dia que chegava olhávamos
para as pessoas apenas
não sentíamos mais nada
a não ser a sensação de termos
já sentido isso também
as palavras do jornal olhávamos
para o vento assobiando na greta
as valas abertas sob o sol olhávamos
para o voo do beija-flor
as marcas no tempo
para o dia que chegava olhávamos
para as pessoas apenas
não sentíamos mais nada
a não ser a sensação de termos
já sentido isso também
Daqui para frente
não é para lembrar do moleque
chapado, roubando o outro,
é para mexer com a náusea
e o vômito, e o frio que treme
as pernas e atrás do olho.
a bala de menta batendo
nos dentes, tic-tac,
como os ponteiros,
marca tudo
o que vamos
lembrar
daqui
para
fren
te
Galeria: Rupert Vandervell
Tiago D. Oliveira, de Salvador-BA, professor e pesquisador, estudou letras na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e na Universidade Nova de Lisboa (UNL). Tem poemas publicados em blogs, portais, revistas e jornais especializados como Avenida Sul, Canal de Poesia, Cronópios, Cultverso, Enfermaria 6 (Portugal), Escamandro, Hyperion (UFBA), Musa Rara, Revista Saúva, Janelas em Rotação e Jornal Livre Opinião. Em 2014 teve seu primeiro livro editado de poesia, Distraído.
E-mail: tolidiasum@gmail.com