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cinco poemas de Leonardo Lopes dos Santos

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[fotografia: Leonardo Lopes dos Santos]




Movimento Pendular - segunda parte

Na volta para casa
Três horas de trânsito
Sentado, calado
Inerte no ônibus
Fui assaltado
A cidade roubou meu tempo
Paciência?
Me deixou
Ela saltou a um ponto atrás
E a alma, cidadão?
O capital levou
Meu braço uma chave Phillips
Só muda no ônibus
Capitão gancho do balaústre
Se soltar
Levo um tombo



Bolso direito

Coração molhado
Foi torcido
Libera o fluido
Da dor
A exemplo de Augusto
Dos anjos que negam
Uma sobrevida de esperança
Enquanto isso
Minha herança escorre
Como o chorume
Podre e mal cheiroso
Nela o cardume
De vermes nada
Se alimentam vorazes
De lágrimas e fezes
Na liquidez avança
Entre os sulcos
Dos ladrilhos
Às vezes toma forma
Bifurcado nas ideias
Redondo no ódio
Quadrado no amor
No extremo se talha
Abandona o humano
Da raiva
Toma o licor
Brindando
No lixo.



Pessoas e as metrópoles

Barraco, Maloca ou Mocambo?
Como devo chamar minha casa?
Comecei a fazer com madeira de sobras
Na beira de um rio, um mangue
Ou seria um canal?
Fiz pela necessidade de morar
Afinal, todos deveriam ter esse direito
Com remoções dos desmandos governamentais
Grileiros e posseiros violentos
Passei por momentos de vida brutais
Hoje me sustendo da minha criatividade de turrão
Pego caranguejo na lama
Faço um bico na casa de um bacana
Levo carro de empurrar para catar papelão
O que salva minha sanidade é a musica
Considero a fé auditiva, minha religião
Ouço muitos tambores amarrados de corda
Batem no ritmo do coração pernambucano
Esse tal é o maracatu
Escuto também a musica “dos mano”
Coisa politizada, conta a realidade
Um rap de uns mcs do Grajaú
E como marra de malandro é pouco
Toco um samba de roda
Pandeiro, surdo, partido alto rola solto
Vida na periferia não é fácil não nêgo
Seja no Rio, em Sampa ou em Recife
Canal do Cunha, Tietê , Capibaribe
Nas mais simbólicas metrópoles brasileiras
O pobre ainda não consegue ser livre
A arte vem poetizar por nossas próprias mãos
Estamos atentos e não atônitos
A espreita
De nossos braços nascerá a revolução.



Regam a favela com Balas

Caveirão entrou pela rua principal
Os fogos foram logo estourando no céu
O radinho anuncia a chegada célebre
O soldado espera o momento crucial
Pá pá pá pá
Começa o tiroteio
Transeuntes se escondem
O primeiro portão é um buncker
Mães preocupadas reféns do aperreio
Resultado:
Dois mortos na operação
O aviãozinho Drummond
E o soldado do tráfico Waly Salomão
Sensacionalista apresentador João Cabral
Divulga a notícia na televisão
Mereceu,mereceu,mereceu
O vagabundo não estuda na vida
Vai aprender no crime
Dessa rabuda não tem saída hebreu!
Depois dessa esdrúxula narrativa
É melhor desligar a TV
Esqueceram de frisar a desventura feroz
Familiares e amigos sentem maiúscula dor
Favelado, negro, criminalizado
Haverá sempre juventude desse destino atroz?
A sociedade não pesa seus horrores?
Sentado no paralelepípedo
Diz o menino Vinicius de Moraes
Regam a favela com balas
Mas querem que nasçam flores



Sertão Sudestino

Falta de política pública
Falta de educação
Trata-se da clientelista politicagem
Promovida aqui no sertão

Entro por vielas de terra batida
Barracos embolsados com a chuva
Um lugar de poucas esperanças de vida
Espera por um pingo de esperança mútua

A fé parte das palavras rimadas
Que a exemplo de um canto de coco
Caminha tortuoso como um euclidiano sertanejo
Daqueles que enaltecem os olhos infantis
Em um pequeno vilarejo

Poderia estar falando do sertão pernambucano
Do penado e plural sertão cearense
Ou até mesmo o conhecido sertão baiano

Mas desço um pouco e volto nos conceitos
Aqui é o sertão carioca que está em primeiro plano

Extremo Oeste da metrópole sebastianina
Traz em si inspiradoras e duradouras lutas
Pois mesmo com festejos de época olímpica
Ressurge com afinco em periféricos saraus

Traga a sua cultura ao mundo
Periferia carioca
Abra as portas dos palácios
Entre no municipal
Mostre que a arte mora principalmente nas favelas
Aqui não deve existir pena

Não somos carentes de filantropia
Apenas estamos fora do jogo do sistema
“A favela aguarda atenta ao revide”*
Faremos nossas próprias poesias

O tema
A gente mesmo decide

*Trecho da música Fio de prumo (Padê onã). Composição: Criolo.


***
Leonardo Lopes dos Santosé morador de Vila Aliança - favela da periferia carioca, é professor de Geografia da rede pública na Baixada Fluminense e produz o Sarau do Velho, que acontece no bairro de Senador Camará, Rio de Janeiro. Fotografa e escreve poesias inspirado nos seus olhares durante trajeto cotidiano pela região metropolitana do Rio de Janeiro. Página: https://leonardolopesdossantos.tumblr.com.







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