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Ilustração: Bruno Marafigo |
Humor Vítreo
Seus olhos se abrem
Você pode não gostar do que vai ver.
Todos usam vendas.
Mas ninguém sabe que é cego.
Não vão te ouvir.
É confortável se deixar levar pelas ondas
e assim os oceanos se enchem de corpos.
Não tem mais retorno para você.
A não ser que lhe queimem as retinas.
Não existe uma escolha real.
E ninguém é poupado.
Meia-vida
Acordou com os gritos dos bebês do dilúvio.
Olho pela janela do quarto, o mundo dormia.
Em uma janela de sua mente viu o passado:
Um garoto saboreando o sol tentando atrasar o dia em que ele se apagaria.
Viu a tevê ligada,
a cama arrumada.
Sentiu como se pudesse atravessar a janela,
mas o instante se foi.
Assim como este se vai.
O mundo acabou para ele em novembro de dois mil e onze.
Acordou em um mundo estranho esperando que os corvos lhe arrancassem os olhos,
esperando que homens sem coração viessem arrancar suas tripas com dentes pontiagudos.
Nada aconteceu.
A vida segue, esse é o ponto.
É anticlimático.
Olhou através de um vidro para a vida que segue sem ter existido.
Pessoas caminhando os mesmo cinco metros quadrados.
"Ali dentro sou um fantasma", pensou.
"Uma coisa morta que se recusa a ser enterrada"
Nos olhos deles o medo de algo alienígena
que no fundo eram os seus próprios reflexos.
Do lado de dentro só a desconfiança mórbida de que as paredes são finas
e os corpos vazios.
Mentes fechadas,
ouvidos abertos
e línguas afiadas.
Fazendo tudo o que te dizem para não fazer.
Um filhote abortado de Orwell.
Deformado, real e vivo.
E ele imerso no crime de simplesmente existir.
Por aqueles que nasceram dentro de prisões nas quais ninguém presta atenção...
Por todas as coisas não ditas...
Na falta de uma tragédia eles criam uma.
Inventam rumores sob os olhos cegos de Deus.
Bruno Marafigo é um artista plástico e escritor curitibano, publica quadrinhos na internet desde 2011.