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1/4 canto
ácida eu era sua
viagem
cosmogônica
um zepelin
entalado na garganta
e você
sonhando irrigação eólica
no meu mangue
seco
caranguejos espadachins
deixam seus túmulos
em andada
pelas minhas coxas
e se espantam dos joelhos esfolados
'pede perdão e reza
o credo' ele dizia depois de gozar
da minha cara
e até hoje tenho medo de gente
destemida
mas não era o caso de me casar
com você
apenas desenterrarmos juntos
a carcaça de um tubarão-rei
xamã dos mares
naufragado nas dunas escorregadias
de suas ancas e omoplata
e eu queria dizer que
sou a pomba-gira do absolut
mas é só o piva assombrando
minhas próprias alucinações
a língua amortecida
o maracatu obstruindo a cantata
sarabanda de natal
e o que importa agora é que também eu
[aqui]
com o catimbó todo
pulsando no peito
exus, ebós& tambores
silenciosos
você
com o lampião à frente
acendendo os quatro cantos
onde chegamos juntos
e solitários
vindos de lugar nenhum
folia
folião apressado:
se o tempo s'esticasse pra além da fantasia
descobriria no meu corpo
a nascente
de toda poesia
concertina
eu te dei o meu buquê de margaridas negras
e você cheirou
duas carreiras brancas sempararprarespirar
eu te contei em segredo o meu nome
gardênia de ascendência escorpião
e você injetou até a última gota do teu veneno
na minha garganta
e eu engoli
suas palavras ácidas
e me roubou três orgasmos porque eu não
queria dar
e então fodemos o amor feito
dois ouriços mexicanos
concêntricos
& alucinados
dezesseis mil picos no skypedia
e o risco
roleta russa na rodovia, ruiva
você rugia
as orelhas roídas
de serpentinas e concertina
um carnaval-de-olinda
em blocos de pêlos
fantasiados nós 2 dedos
suados e metidos
na febre funda da poesia
fodíamos
e era o amor ou quase
riso de pierrô
dentes ensimesmados
fodendo
fodendo
fodendo
ourissos
Miséria
se me chamasses cabra
sombria
ou emplumada
iluminura
e sacrifício
se me chamasses Miséria
e glória
mojubá ou pomba-
gira
se me chamasses
eu iria
súcubo
nas pontas dos dedos
pequenos tambores
relincham
Ilustrações: Lauren E. Simonutti
Geruza Zelnysé escafandrista com doutorado em literatura líquida. Defendeu a tese de que só os peixes morrem afogados. Fez um pós-doutoradoem filosofia da educação pesquisando a autopoiesis e as potencialidades provocativas,educativas e terapêuticas dasoficinas de escrita literária. Criou o cursode Escrita Curativa. Publicou ‘esse livronão é pra você’ (Ed. Patuá, 2015); ‘9 janelas paralelas & outros incômodos (Ed. Dobradura, 2016), finalista PrêmioSesc de Literatura 2015; ‘tatuagem: mínimo romance’ (Ed. Patuá, 2016), contemplado com o PROAC 2015. Tem poemas plantados em diversas revistas impressas e virtuais. É professora, pesquisadora, tradutora, poeta, rezadeira e equilibrista. Nasceu em Laranjal Paulista. Mora em São Paulo, mas vive no interior. Escreveno blog geruzazelnys.blogspot.com.br