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"O Tempo não o deixará" - 3 Poemas de Ney Ferraz Paiva

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a Max Martins






LEGADO


Quando jovem só gostava da fotografia
Pelas bordas
Antes dos cinquenta quase não aparecia
Em lugar algum
Longos e permanentes dias incandescentes
Às vezes álacres
Turvos pela guerra máquina ditadura
Quando te conheci já eras um cão de rua
Bar do Parque 3x4 Marahu
Levavas todos ao inferno com tua presença
A poesia o cigarro a bebida vinham mudando teu corpo
Os livros que falavas eu os roubava na Livraria Jinkings





NO CORAÇÃO DESCONCERTANTE DA CABANA


Onde farei a minha cabana
E esperarei o apocalipse?
Antes essa palavra soava
Com perplexidade calafrio
Trombetas designavam a manhã
Traziam mensagens dos céus
Labaredas à cabeça de Orfeu
A cabana que vou construir
Barco para vagar na limpidez
Ou pelo interior de grutas
Certa curvatura de enseada
Para chegar perto de você
Pela porta secreta do esconderijo
Em Paris Inglaterra Berlim
Cabana com paredes falsas
Prorrogada aberta ao mar
Alçapão quarto emboscada
Seis passeios pelos bosques da ficção
Ou pelo Rodrigues Alves
A passante vem à deriva
Insone desce as escadas
Farto café fumo amizade
Escassa bagagem dinheiro
Levarei minha biblioteca
O cativo tigre da Coréia
A vitrola a música a cor
Penetro adentro a cabana
Espaço imprevisto do gozo




NA IMPOSSIBILIDADE DE UM RETRATO DE MAX MARTINS
COMO FARIA FRANCIS BACON OU PAULO PONTE SOUZA


Usaste todas as tuas sete faces depressa demais
Aos noventa anos o que resta?
Esperamos que estejas bem na Tartária longínqua
Ou em Marahu ou em Michigan
Murilo te enviou um telegrama
Não sabe que não subiste nem
Para onde desceste e te propõe uma visita a Roma
Deixaste os caminhos abertos
Desempacotados manuscritos
Diários         notas         cartas      
Voltas da tua própria mudez
Aos saberes que não se sabe
A escrita pode incluir a vida
Deslinguada não vetar nada
Ferver a beleza encová-la
Em seu próprio esplendor
Na impossibilidade de um retrato como
Faria Francis Bacon ou Paulo Ponte Souza
Recorro a certos closes que
Não te refletem ou variações
Cortes bruscos algum vestígio
Traços de assíduas feridas
Enraizadas abertas tua sina
Tantas vezes tentaste cortar a garganta do poema
Evitando fazer muita sujeira
E mostravas transfixado o que não se extingue







 Ney Ferraz Paiva, poeta e artista visual. Autor dos livros: Não era suicídio sobre a relva(Prêmio Literário Cidade do Recife, 2000), Nave do nada (Prêmio Literário Cidade do Recife, 2004), Arrastar um landau debaixo d'água (São Paulo, Editora Patuá, 2015), e das plaquetes: Eu queria estar com vocês hoje (Belém, Editora Escriba, 2012), Poemas para Max Martins (para ler depois da chuva) (Belém, Editora Cão-Guia, 2014). Edita o blog www.hospiciomoinhodosventos.blogspot.com.br.

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