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Ilustração: Johann |
Faca no coração
Não havia ninguém na rua, e não tinha porque ter, madrugada alta, horas quase findas,molhadas de nostalgias, perfídia de ilusões, gole seco de ar. Em alguns momentos parecia que as árvores queriam começar um dialogo – falar de homens e mulheres, drogas e palavras ocultas, segredos, crimes – mas Pedro não queria ouvir.
Trazia na mão uma faca, uma rota de fuga desse mundo cruel, liberdade, podia ouvir seu coração gritar liiibeerdadeeeee. Longe de sua casa há algum tempo. Queria a morada da liberdade, ser livre. As horas corriam depressa, puxadas por cavalos negros, seus olhos estavam fechando-se aos poucos. É agora, a faca próxima ao coração, respiração ofegante, mão tremula...
– Pedro, já é 6: 30 da manhã, levanta, vai pra escola.
– Tá mãe.
Carteiros e ruas
As ruas de Belém são como a sombra da alma humana, sempre cheias, chuvosas, melancólicas, sombrinhas que se abrem à tarde, carros que percorrem toda via, ocupam tudo, sujeira em todos os lados. Seria possível esticar um elástico em seu aspecto mais sombrio e com o tempo vê-lo puir, destruir a estrutura solida e concisa, andá-las sem olhar para o finito, vista comprometida com o infinito – mesmo que seja pura ilusão. Esticar até o peito dos mortos que dormem no Soledade, nas mãos estendidas na porta dos bancos, mas sua tangencia é céu chuvoso. O gramado dos olhos das aves que sobrevoam a cidade, também entra no coração da população que circulam vias impuras. Carteiros carregam o amor e o ódio em suas cartas, presentes vindos de longe e cobrança de dividas antigas – como a da manga caída a esmo e seu amado que mudará para o sul.
Juliano torou-se carteiro há pouco tempo – coisa de vinte ou mais anos apenas, conhece todas as ruas, alamedas, vilas e cursos – mar que nunca cansa de encher a cidade de bichos curiosos e famintos de verdade. Em suas mãos trazia uma carta vinda do velho mundo, destinava-se a casa 442, entregou e partiu para seu itinerário de sombras e infinito.
– Chegou para você Maria
– Obrigado
– É de um velho amor.
Marcos Samuel Costa da Conceição nasceu com o rio praticamente debaixo dos braços, é filho, neto e bisneto de pescadores, cresceu ouvindo muitas estórias e mitos. Aprendeu a amar as dimensões dos rios, mas acima de tudo aprendeu a fala dos rios – o silêncio –, seus primeiros poemas sugiram tão natural como os sonhos e os medos da vida. Viveu durante 20 anos em Ponta de Pedras uma pequena cidade do Estado do Pará, e atualmente mora em Belém. Estuda música desde os 9 anos de idade, até hoje, aprendeu tocar flauta doce e transversal, tocou durante quase 5 anos na Banda sinfônica Antônio Malato, mas atualmente não estar tocando em lugar algum, apenas em casa e raramente para amigos, com o intuito apenas de acalmar a alma. Extremamente apaixonado por plantar (cultivar), manteve por muitos anos um pequeno jardim em sua casa no interior. Hoje vive perdido no caos da cidade grande e entre livros de poesia. Acadêmico do curso de Serviço Social (FMN-Belém). Membro correspondente da Academia de letras do Sul e Sudeste Paraense e da ASPELPP-DJ. Autor dos livros: Pés no chão e sonhos no ar (edição do autor, 2012), Convites para amar(editora Literacidade, 2013), Sentimentos de um século 21 (Multifoco Editora, 2014), e Titulado amor (editora Literacidade, 2014), e um em co-autoria com dois amigos: Interpoética (Big Times editora 2015), Uma semana de poesia(Editora Penalux 2016). Participou de mais de 20 antologias literárias e da Revista de arte e poesia Mallamargens.