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Ilustração: Alzbeta |
Lei da selva
Em vez de formarem uma rede adolescente de amizade e apoio mútuo, constituíram-se enquanto matilha. Território a proteger e hierarquia a seguir. Nenhuma misericórdia. Aquele que caísse, seria massacrado pelos próprios companheiros. “Se você morrer, esse tênis é meu.”
Apesar de nunca ter feito parte de seus quadros como membro efetivo, minha condição de tabu permitiu-me documentar seus atos e motivações, sua fúria destrutiva respaldada pela necessidade de sobrevivência. Um trabalho quase científico, uma opção pela mais perigosa e gloriosa das missões.
Eles perambulavam; dia e noite; pelas ruas, avenidas e carreiros. A urbe, em toda sua caleidoscópica extensão, era sua selva, tundra e savana. Magérrimos de não comer, engalfinhavam-se em entreveros com hienas e chacais das adjacências, quando não estavam a pular muros atrás de ração abundante, ou de cadelas no cio.
Eram o trabalho dos cães de guarda e o ódio dos proprietários, que esperando um capa preta para preservar a linhagem, viam nascer, do ventre das cachorras em que investiram tanto tempo e dinheiro, um dingo.
Pois era a sua raça, alcunha e distinção: Dingos. Cães domésticos abandonados em ambiente hostil, que após sucessivas gerações, acabaram por retornar a um estado de selvageria.
Panacéia
Oferece-se a cada um a medida exata daquilo que consegue apreender. Aos viciados as drogas, aos apaixonados o amor, aos sensatos os ceticismos, aos sofredores a dor.
Em duas ou três linhas, o mar de sensações no qual afogar as vilanias da existência.
Panacéia II
Preso no quarto escuro, junto a uma sucessão infindável de considerações e lembranças desagradáveis.
Talvez seja apenas a noite, madura demais para desejos tão infantis. Talvez seja algo mais perigoso, e o vazio em meu interior seja um pálido reflexo do infinito vácuo exterior, uivando e gemendo sua pressa em consumir-me junto a tudo o mais.
É uma noite moderna, e há tempos o neon e o cabeamento por fibra ótica varreram da realidade as ameaças das sombras correndo pelas paredes nuas. No entanto, a despeito do que assegurem mil diferentes religiões, ciências ou psicologias, não posso deixar de preocupar-me com aquilo que sinto.
Dor, fome, medo, fúria. Deus queira o telefone ligue o motoboy que me traga com urgência duas caixas de alívio imediato, antes que meu peito exploda e reverbere com o vento, doses do mais puro e refinado sentimento.
Paulo Eduardo Gonçalves, 37 anos, paranaense de Ponta Grossa. Pequenas premiações e participações em antologias locais. Ativo na internet desde 2002, com um livro de poesias auto-publicado e um e-book que chegou a estar entre quatro mais baixados da Amazon Brasil na categoria poesia geral.