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Notas sobre Varsóvia - Jediel Gonçalves

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Warszawa– inverno 2010

Ilustração: Pak Slotvski


Desenho diagonais na paisagem glacial;
O céu continua branco e frio.

Atrás da porta encontra-se o dia blindado
uma linha invisível que religa o sopro da criança que fui
aos batimentos das asas da gralha cinzenta enfurecida na espuma.

Em um solilóquio arpejam magentas luzes
Lobo uivando ao longe,
longo lamento congelado no frio.

A vida baloiça nas grades e nas folhagens dos álbuns de fotografia.

Entre as malhas da sombra ficaram filetes de carne;
Entre os dentes, as garfadas;
Entre os mexilhões, óvulos vazios.

Algumas malas permanecem ainda vazias,
À espera de que alguém coloque dentro delas ossos, pedras e dentes.

Mas fazer o quê?
No balanço da erva, as coisas acabam tomando formas exatas do mesmo jeito!

A noite disse sim; e eu coloquei mais lenha na lareira.

“Varsóvia não é mais a mesma desde que parti.” – disse-me a voz.
(Como se pode partir de um lugar em que nunca se esteve antes?)

Estive n’outras vidas, n’outras bandas, n’outros cumes... com o vento.
Um pouco do horizonte que ficou aqui comigo
está até agora atrás dos meus ombros, na cor dos meus cabelos,
nos meus traços polacos.

Em Varsóvia fiquei
Chamei isso de“o grande recomeço”. Mas não foi.
Muitas migalhas à mesa. Muitas cinzas nos ares.
Ainda ouço os insetos padecendo dentro das garrafas nas quais eu mesmo os prendi.
Eram espremidos um a um como piolhos nos dedos
como sardinhas dentro da lata.
Depois eram regurgitados em valas comuns.
Gritavam. Fumegavam.
Era o que tornava os meus dias cinzentos...

Em Varsóvia,
a mesma música tem os mesmos silêncios: Chopin ao alento.
Eos meus poemas ainda flamejam.






Jediel Gonçalves é poeta e crítico literário erradicado na França, mestre em Literatura Francesa, membro do Laboratório de Estudos Intersemióticos e pesquisador em literatura francesa dos séculos XIX e XX, na Universidade Aix-Marseille. Realiza atualmente Doutorado em estudos intersemióticos sobre a recepção da pintura na obra literária do escritor francês Marcel Proust. Também escreve ensaios e resenhas críticas para revistas de literatura na França, entre elas La Cause Littéraire.

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