Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

"NEON [...]", POEMA DE ALEXANDRE GUARNIERI

$
0
0






neon [...]


Mas a luz não tem dois lados,
Ao contrário de uma palavra, qualquer uma,
Que poderá ser utilizada na pornografia ou
No supermercado. A luz
É grossa no centro e não existe lateralmente.

                                              Gonçalo M. Tavares



quem poderia supor a estranheza de um gás aceso,
que, para exercer seu fascínio, e revelar o mais
concêntrico dos segredos, houve quem conseguisse
confiná-lo à vácuo, em estreitas serpentinas
de vidro fino, só obtidas de um sopro controlado
sobre um fogaréu típico de maçarico, todas formas
moles, antes que lhes derretesse o sólido molde, e
para flagrar-lhe o lume gasoso sob o fulgor do
argônio tido como inofensivo, bastasse atravessá-lo
ainda, com ímpeto e magnetismo, a mínima fagulha
física ou única chispa, lá, uma faísca fixada
à indissoluta nuvem da sua coluna vertebral?

de súbito há luz habitando um tubo (ou no casulo)
onde é insone o neônio! eis o rito contraditório
de tão espessa cintilação, só contida às expensas
da mais fina vitrina, dos parênteses da tripa vítrea,
colorida, cujo conteúdo é clarão contínuo e vivo,
câmara de tortura abrigando o animal luminescente,
escorregadia enguia elétrica nadando na obscuridade
de um aquário profundo, entretanto curto, enquanto
há como causar-lhe sem escrúpulos (para renová-lo:
fogo-fátuo) a quase asfixia com vapor de mercúrio.

caso lhe emprestem alguma figura, curvas de letras
ou grafias inteiriças são acrescentadas à brancura
dessa queimadura iluminada pela própria cicatriz;
muito embora fria, sua luz pisca, vacila pela via,
ofusca vistas (letreiros zunindo o burburinho de
um séquito de insetos), a ferida cujo jorro de
radiação halógena quase machuca o olho, o chafariz
de fótons como se oriundo do couro cabeludo d’alguma
medusa abraçada a uma bobina de tesla (bruxa ou
fada) numa estranha fábula sobre a eletrocussão.













POEMA ORIGINALMENTE PUBLICADO EM
CASA DAS MÁQUINAS (EDITORA DA PALAVRA, 2011)

LEIA MAIS SOBRE O LIVRO




Imagens: arte de Chris Bracey


*    *    *




Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Atualmente pertence ao corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens e integra (desde 2012), com o artista plástico, músico, ator e poeta, Alexandre Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos]. Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está disponível online AQUI (via ISSUU).  Seu mais recente livro é Corpo de Festim [livro ganhador do 57o Jabuti].




Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548