os deuses também são gente,
de idêntica flama interna,
mas a grandeza lhes prende
à idealidade da esfera,
até que Hermes, dizendo
“que chato!”, se faz menino
e põe nos deuses defeitos;
ser imperfeito é divino.
….....................................................
que os deuses ajam não espere.
serem alheios nos serve.
um pouco de agrado é manta.
é renda, se mais, de aranha.
a indiferença é uma prenda.
….......................
os deuses não fazem nada ao acaso.
há planos a que não temos acesso,
qual cartas em caracteres opacos.
um iluminado quiçá desvende
parcos enunciados, tão dispersos
que na divina sua doutrina emende.
na mão não canta o mistério.
com o dito jamais se deita.
com o dito jamais se deita.
não há com o que se o ferre.
a carne o sabe, não o porta.
a carne o sabe, não o porta.
deixemos que passe alheio
o que mais dentro ressoa.
o que mais dentro ressoa.
não vem da areia esse gesto
que diz ao vento: “disperse”.
que diz ao vento: “disperse”.
pra deuses não nos fizeram.
a águia, se ousarmos, desce.
a águia, se ousarmos, desce.
…...........................
ser homem é profissão
de carga.
o pasto chama a mais
deleite.
melhor do que a razão
é a alegria!
Odisseu, desista.
alguns homens preferem
seguir porcos.
e por que não?
tantos já porcos são
no corpo errado.
sorriso é
pança cheia e cuca oca.
provar da lama
sem saber panela.
querer que eu seja
a calha
- ora Zeus valha! -
do que fui antes!
como, se antes
eu era outro?
o que conservo
(tão breve sou)
de minhas idas
versões?
me atualizo e
mais não me sei!
pagarei eu por
qualquer desplante
de um meu farsante
que, ora sido,
me nada deixa
senão coleira?
Ilustrações: Gian Lorenzo Bernini (1598/1680)
Diego Callazans nasceu em Ilhéus (ba) em 1982 e mora em Aracaju (se) desde criança. É autor de A poesia agora é o que me resta (Patuá, 2013), Blasfêmias(7 Letras, 2015) e Nódoa (7 Letras, 2015). Tem poemas publicados em diversas revistas literárias.