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Ilustração: Natalia Deprina |
SILÊNCIO
Talvez um dia, um poema maldito, mascarado, desabrigado,
me salve ou leve ou expurgue a solidão de pés feridos e a dúvida.
Não escrevo poemas, vivo neles.
Me contorço em cada um, esparramo silêncios e gritos que não me cabem.
Velhos trapos desbotados nos varais do tempo.
Poemas meus não são traços, são rugas e cicatrizes,
feridas que não curo.
Quem sabe um deles me acolha. Quem sabe me enlouqueça,
que a loucura é um bálsamo, um vinho forte que abriga e faz dormir o silêncio.
me salve ou leve ou expurgue a solidão de pés feridos e a dúvida.
Não escrevo poemas, vivo neles.
Me contorço em cada um, esparramo silêncios e gritos que não me cabem.
Velhos trapos desbotados nos varais do tempo.
Poemas meus não são traços, são rugas e cicatrizes,
feridas que não curo.
Quem sabe um deles me acolha. Quem sabe me enlouqueça,
que a loucura é um bálsamo, um vinho forte que abriga e faz dormir o silêncio.
SANGUE RUIM
"Sangue ruim" - um dia ele me disse.
E entre cobertas e vespas mudas,
entre a lareira e o que queimava fora,
o que não tem sangue algum por dentro
cuspia cacos de si mesmo.
Os meus olhos se puseram negros e o canto da boca,
de um carmim coagulado, mastigou o soco.
Roxa, a ferida abriu a rosa negra.
Mostrou seu corte apenas para os cães.
E o soco instalou seus dentes nos meus lábios.
Espalhou a ferida por dentro, sangue negro.
Coração e alma se tornaram negros.
Não haveria um segundo soco.
Talvez eu seja mesmo sangue ruim.
E entre cobertas e vespas mudas,
entre a lareira e o que queimava fora,
o que não tem sangue algum por dentro
cuspia cacos de si mesmo.
Os meus olhos se puseram negros e o canto da boca,
de um carmim coagulado, mastigou o soco.
Roxa, a ferida abriu a rosa negra.
Mostrou seu corte apenas para os cães.
E o soco instalou seus dentes nos meus lábios.
Espalhou a ferida por dentro, sangue negro.
Coração e alma se tornaram negros.
Não haveria um segundo soco.
Talvez eu seja mesmo sangue ruim.
DA JANELA
Da minha janela, eu chamo pela guerra e ela me responde.
O cheiro fétido de sangue descomposto e urina.
A morte que não se detém e arrasta o mundo pra uma mesma cova rasa e coletiva.
Eu chamo pela desesperança e ela me responde.
Eu chamo pela desesperança e ela me responde.
Mostra os dentes podres, as rugas de uma decrepitude além da velhice.
A esperança que agoniza ao relento e, mais que um cão faminto,rosna, num cenário ressequido e desumano.
Eu chamo pela miséria e ela responde.
Eu chamo pela miséria e ela responde.
Comendo a fome em nacos putrefatos, ela sorri pra mim e fotografa a morte.
E, numa bandeja de cristal, me traz a pior face da loucura.
Eu chamo pela solidão e ela me responde.
Eu chamo pela solidão e ela me responde.
Seu silêncio cria um enxame de zumbidos sem abelhas.
Estéril e sedenta ela me acolhe. E mostra um pranto que não corre,
Que penetra a carne e cria revoadas num viveiro.
Eu chamo pelo amor e ele não responde.
Eu chamo pelo amor e ele não responde.
Da minha janela eu grito e ele, oculto e apequenado, me diz não,
por um simples recado, escrito nas paredes onde eu pendurava quadros.
Rosa Maria Mano, nascida em São Paulo, capital, num frio e ensolarado setembro, perfumado por jasmins-do-Cabo. Faculdade de Letras interrompida. Estudando História na Universidade Estácio de Sá. Autora de Xamã, 1º livro de poemas pela Litográfica Editora – São Paulo (1984), enriquecido pela capa de Elifas Andreato, Três Marias e um Cometa, infanto-juvenil pela Companhia Editora Nacional (1986). Fruto Mulher, Coletânea de poesia pela Editora Semente – São Paulo (1983). Também contista, tendo publicado O Gato pelo D.O. Leitura, Suplemento Cultural do D.O de São Paulo – São Paulo (1987), Clara Morte de Clarice, no site Recanto das Letras, O Tigre, na Fan Page Rosa Maria Mano – Poesia. Publicando diariamente na Fan Page e na página Rosa Maria Mano – Facebook. Prêmio SESC de Poesia – 1999 – 1º lugar na edição municipal – Teresópolis, com o poema A Lua Negra. 2º lugar, na mesma edição, com o poema Recendência. Prêmio SESC de poesia – 1999 – 2º lugar na edição estadual – Rio de Janeiro, com o poema A Lua Negra. Próximos lançamentos : Vento na Saia – eBook – poesia e Somos Marias – com Maria Lorenci – eBook – contos e poesia.