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Ilustração: Audre D. |
para o personagem José Arcadio, do romance “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez
no princípio era o pêndulo
arrefecendo suspeitas
depois a prodigiosa ordem
a trotar na assombrosa
mecânica do mundo
desfeitas as perfeições
em nome da semelhança
criou-se no tumulto
a crença insepultável
num deus infotografável
com um cheiro de alfazemas
agora
diante de um pelotão de fuzilamento
aprendeu:
o amor não cura aflições.
*
não recuse o envelhecer
há dias contrários a fé
nas paredes de tua casa
a vigília é sacerdócio iludido
multidão de fome e farpa
nas vigas habitam
ateu o teu consolo
te veste de sombra
& atravessa a sobra
porque a morte está contigo
e nem um cajado te consola.
“centenas de dias infindável”
Maiakóvski
grava na memória
o ranger dessa porta
atravessa
o limite do alpendre
& leva tua tática de combate
na rua rufam clandestinidades.
*
rumina teu jardim
que exerce vigília
sem adubação
ele está ávido
de coisas sôfregas
diante das auroras
teu jardim não sabe
arrefecer o golpe
é só um missionário sem fé.
*
é sob a tragédia
armadura t
tingida de aço
deambula tristeza
infinita de homens diários
nos hilários olhos
passeiam distâncias em ânsias
sôfregos jardins desconversam
a importância das borboletas
arraigando os hediondos passos antigos
a não encerrar quintais
estranho
o combate desfaz a carne de ontem
num percurso impossível
de abandonados dias
homens sabem dos sóis
das sombras das pedras
mas a primavera sempre vem
avisar-lhe do objeto final:
morrer.
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Ilustração: Roxndulce |
expõe teu urro muro
o ferro em brasa
o barro em mágoa
exilam a floração de setembro
a ferruginosa fé
fere teu não reboco
enrijecido sustenta passados
medita sobre o presente
tem pelo futuro
um pasmo assombroso
que alimenta o escuro
te inquieta muro
o mundo não arfa baldrames.
*
o cômodo
esbravece mania pela geometria
[ a dimensão desvelada dos rumos ]
& o inexorável vestígio das épocas
os cílios têm fronteiras
metafísicas habituais
dos ritos
as mãos
modelam o simulacro das pedras
que sempre reservam
o direito de não esquecerem
os pássaros
os pés argumentam
a uniformidade do muro
urdem táticas
a moverem ávidos esquecimentos
amanhã
o corpo
quiasma trancafiado
noticiará o incomunicável
sentido da morte.
*
dentro do golpe proverbial
modular indumentária
no que tange ao longe
o jardineiro desconsolado
incendiando sumárias flores
é triste a tristeza
da cidade destribalizada
a c(idade) ainda sabe
reinventar a imensidão
& germinar mitologias
sabe semear paredes
curar soluços
guiar silêncios
encher o silente verbo
anônimo diante das pedras
a cIDADE sempre amanhece mistérios
ouvindo a cega saudade.
*
piedade ao vivo
& seu monólogo
porque diante do mar
tem a exata dimensão
inalcançável
ao clamor dos afogados
piedade ao morto
& sua rígida condição
de não gritar a palavra:
terra
mastigando em silêncio
a insensível amargura
piedade a nós
e o sacrifício das promessas
que transladam a existência.
Poemas extraídos do livro "Cortejo & outra begônias", premiado pelo III PRÊMIO UFES 2015.
AIRTON SOUZA é poeta, professor e nasceu em Marabá, no Pará. É licenciado em História e pós-graduado em metodologia do ensino de História e licenciado em Letras – Língua portuguesa, pela UFPA – Universidade Federal do Pará. É membro de diversas academias de letras e instituições literárias, entre elas a ALSSP – Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense, cadeira nº 15, patrono o poeta Max Martins. Possui uma intensa atividade voltada à promoção do livro e leitura, como realizações de saraus e encontros literários entre escritores e leitores. Já venceu alguns prêmios literários importantes, entre eles: menção honrosa no Prêmio Proex de Literatura, Prêmio Cannon de Poesia, menção honrosa no Prêmio LiteraCidade, com o livro Face dos disfarces, primeiro lugar no Prêmio Dalcídio Jurandir de 2014, um dos mais importantes da Estado do Pará, com o livro de poemas Ser não sendo, um dos vencedores do IV Prêmio Proex de Arte e Cultura, com o livro de poemas manhã cerzida. Em 2015 venceu alguns prêmios, entre eles o III Prêmio de Literatura da UFES, promovido pela Universidade Federal do Espírito Santo, com o livro cortejo & outras begônias, na categoria poesia e o Prêmio Nacional Machado de Assis, na categoria poesia. É autor de 20 livros de poemas e, possui alguns inéditos.