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5 poemas de Ricardo Silvestrin

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Ilustração: Hermin Abramovitch



SEGURO

Ninguém pode viver numa canção
como no útero protegido da mãe.
Uma hora vai sair,
a canção tem que acabar.

Há músicas dissonantes e inacabadas,
partituras para executar o silêncio,
baquetas quebradas,
cordas rompidas.

Sobra a melodia da fala,
linear e rala.

Ninguém,
se alguém não for assim,
me diga.
Ninguém fez seguro
contra infelicidade.
  


(do livro Typographo, Ricardo Silvestrin, Patuá Editora, 2016)




*
há um defeito de fabricação
falta de inspiração no projeto
se alguém tivesse sido convidado
para dizer o que achava
talvez ocorresse virar os olhos para dentro

num sistema móvel
olhar para fora
olhar para dentro
não apenas para cima
para baixo
para os lados

talvez fosse escuro
e precisasse acender a luz
como os vagalumes

enzimas sucos sinapses
sangue na correria
gases
é por dentro que a vida segue ou se interrompe

e se aproveita para nos trair
já que não estamos vendo


(do livro Metal, Ricardo Silvestrin, Artes e Ofícios Editora, 2013)




*
há uma cidade por dentro
que percorre cada corpo
e aonde quer que se vá
ela vai junto
cidade dentro de outra cidade
é por isso que se diz minha
minha cidade
e sendo corpo
também dói e dá prazer
concreto abstrato
dissolvendo em lembrança
a argamassa
às vezes dói tanto
que se quer expelir
arrancar a cidade de dentro
mas é feita de tempo
matéria mais dura
que o cimento


(do livro O Menos Vendido, Ricardo Silvestrin, Nankin Editorial,, 2006)




*
não quero mais de um poeta
que a sua letra
palavra presa na página
borboleta
nem quero saber da sua vida
da verdade que nunca foi dita
mesmo por ele
que tudo que viveu duvida
não revirem a sua cova
o seu arquivo
é no seu livro que o poeta está enterrado
vivo


(do livro Palavra Mágica,  Ricardo Silvestrin, IEL/Massao Ohno, 1995, reeditado em e-book pela Dublinense em 2015)




*
o goleiro vê o jogo ao contrário
o número um que ele carrega
não é de primeiro, mas de solitário

o gol que não houve, a bola na trave
ou presa entre as asas do seu vôo de ave
são pontos a mais no seu placar tonto

seu companheiro, o goleiro adversário
com quem trama o escore ideal
zero a zero do começo ao final


(do livro Quase eu,  Ricardo Silvestrin, SMC/Poa, 1992, reeditado em e-book pela Dublinense em 2015)


Ricardo Silvestrin nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. É autor, entre outros, de Quase eu, Palavra Mágica, O menos vendido, Metal e Typographo, todos de poesia. Na prosa, Play (contos) e O videogame do rei (romance). Na poesia para crianças, destacam-se Pequenas observações sobre a vida em outros planetas e É tudo invenção. Recebeu por cinco vezes o prêmio Açorianos de Literatura e foi finalista dos prêmios Brasília e Portugal Telecom. Integra a antologia mundial de haicai, Frogpond, editada nos Estados Unidos. Também foi editado no Uruguai, com o livro Los Seres Trock. É músico e integra a banda os poETs.



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