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"SETE", UM LIVRO DE VÁRIAS FACES - Casimiro de Brito resenha JIVM

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                 Acabo de o ler com imenso prazer o livro de poemas “Sete”, de José Inácio Vieira de Melo.
            Trata-se de uma poesia de grande qualidade literária e humanística em que decerto mergulharei de novo: e mergulhar é a palavra exacta se pensar que nunca (como queria Heraclito) se mergulha duas vezes no mesmo  rio. E fiquei com essa sensação: que, ao ler de novo na poesia de José Inácio, no teclado do seu piano, no "nome que esquece todos os nomes", noutras águas mergulharei. E isso é o melhor que se pode dizer sobre uma obra literária, sobre uma paisagem, sobre um corpo encontrado e amado.

            Agrada-me sobremaneira as várias viagens e iluminações do número (que é mais do que um número) sete: gosto particularmente deste género de escavações e harmonias,  que são descobertas de luz. E quase diria que seria difícil de encontrar um símbolo mais profundo e dadivoso. Pois que podemos encontrar por todo o lado, na arte e na história, as irradiações desse número quase sagrado – agora, também, em poesia, sob o verbo de um "pianista selvagem no meio do dia".

            Também me agradou essa fusão tão subtil entre o sagrado e o erótico: "lambem as vulvas das loucas, / com sua aguda linguagem"é um, entre muitos exemplos. 



            E sempre a (que imensamente me toca, música secreta) referência à morte, essa que "desperta tuas brasas", e que tem sido tema de muitos dos meus livros, desde a "Negação da Morte" (que escrevi em Dusseldorf quando vivi, 4 anos, na Alemanha) até aos dias actuais da minha escrita em que exploro o tema "A morte não existe / tudo é sexo e canto") e que o José Inácio toca, no visível e na obscuridade luminosa de alguns dos seus versos. A morte e a loucura, que nunca o é: essa que, em lavas, “lambe os musgos das asas”.

            Fico com a convicção que o número sete, se fosse gente, agradecia estas delicadas e vibrantes aproximações; esta "chuva secreta / no cerne de cada verso". Este voo imagético associado ao rigor as palavras, como gotas de uma chuva que se deixe ler, uma pauta musical.

            E agrada-me sempre a leitura múltipla de cada coisa no poema (porque de um longo poema se trata) tal como uma "face / nas várias faces que te habitam". Enfim, um belo livro.


Ilustrações: Hallina Beltrão



 
Casimiro de Brito é um poeta, ensaísta e ficcionista português. Nasceu no Algarve, em 1938. Seu livro de estreia, “Poemas da solidão imperfeita”, foi publicado em 1957. De lá para cá publicou mais de 50 livros, que foram traduzidos em diversos idiomas, e ganhou vários prêmios literários, dentre eles o Prêmio Internacional Versilia, de Viareggio, para a “Melhor obra completa de poesia”, pela sua “Ode & Cia” (1985), o Prêmio Poeteka na Albânia e o Prêmio Mário Luzi para o melhor livro de poesia europeu editado em Itália em 2006, com o “Libro delle Cadutte” (Livro das Quedas).



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