Para saber se estou vivo
acelero a respiração e a prendo
como um rio cujas águas
subitamente em nenhum lugar deságuam
Abro um livro e leio o conto mais antigo
tão antigo quanto astros cadentes
Renovo meu terror de ovelhas
que mesmo sem sono
nunca contei
Para saber se estou vivo
invento nomes e lendas fantásticas
sobre pessoas desconhecidas
com as quais converso
Ofereço o dia à condessa de Trastâmara
enquanto ela escreve castelos
para quem chora
ou à princesa que também é a raposa
sereia ou as uvas ou só menina
sob um véu que a aparta ou abraça
no fabular do papel
Para saber se estou vivo
fecho os olhos ao espelho
e bato a cabeça
até que se esqueçam as datas
em que tudo naufragou
quando não fui salvo dos lobos
e quando o telefone tocou
e a voz se apagava
e anunciava que não mais haveria a voz
de meu amigo morto
Para saber se estou vivo
deixo a barba crescer
e me escondo em cavernas
onde rupestre faço pinturas abstratas
porque talvez já não tenha palavras
e deva libertar o silêncio
matando a golpes de lança
cada ofensa que não quis
E me ajoelho aos deuses
e os reduzo por séculos
a Um só
Para saber se estou vivo
arrisco a poesia um poema de amor
convite grito despedida
Para saber se estou vivo
eu durmo e acordo venero e espero
a mulher que neste momento
parece sonhar sobre a minha mão
e me guarda
ainda
vivo
Alberto Bresciani nasceu no Rio de Janeiro e passou a infância e a adolescência entre o Rio de Janeiro, Paraíba do Sul – RJ e Juiz de Fora – MG. Publicou os livros “Incompleto movimento”, em 2011, e “Sem passagem para Barcelona”, em 2015, ambos de poesia, pela José Olympio Editora e Record, respectivamente. Tem poemas e contos em blogues, portais da internet, jornais e revistas especializadas.
Imagem: Edward Hopper