Ah cidade que despedaça corações
como vândala
e mastiga carcaças
como triturador de lixo.
Curitiba fábrica de corações solitários
e cinemas repletos de homens sozinhos
em pleno dia dos namorados.
Hás de uivar à meia noite
e do teu cio ébrio
hão de brotar mil bocas
mil máscaras mil faces
uma centena de lábios carnudos
que te lamberão e entupirão as veias
de teu cérebro de Medusa
com consolações solenes.
Curitiba velha frígida de seios murchos
e mórbidas artrites,
eu prometo matar-te
de ataque cardíaco
ao me surpreenderes nua
na via pública
fazendo sexo oral
na Praça Santos Andrade
detrás das colunas dóricas da Universidade,
em cima das bostas dos pombinhos.
Curitiba teus dias de lírica bêbada
estão contados
enquanto não te estuprarem
na Feira do Poeta
sobre as máquinas tipográficas.
E agora que já sei de teus
temores e tremores
de trezentona apodrecida,
deixa-me devorar
teus meninos semivirgens
todos os rapazes de jaqueta de couro do ligeirinho
e pelo menos um de cada tribo:
- metaleiros que batem punheta no TUC
e bebem cachaça na Rua 24 Horas
punks do Poeta Maldito
e das marquises da XV
bluesmen do Trumpet
psicos do 92 Degrees
rastafaris do Zimbabue
mauricinhos do Potato
junkies do Dolores Nervosa
bibelôs da Insanu’s
giletinhos do 21
caipiras do Operário
tarados de plantão do Lidô
head bangers do Lino’s Bar
até os nerds da Biblioteca Pública
e cyberpunks virtuais
porque todos estes bares já fecharam -
Curitiba dos vampiros avantajados
apertados em cuecas
de frisinhos amarelos
que arranco a mordidas
entre meus dedos de ninfomaníaca sádica
lambendo bolas e pelos
chupando picas e bocas
cheirando a vodkas
e sangues antigos
até o gozo escarlate
dos falsos místicos
goela adentro da cidade
espalhando um nevoeiro lúbrico
até pelos becos
e cantinhos marrons
que cheiram a mijo velho.
Vestida de preto para matar,
à espreita,
chutando latas no frio perverso,
pelas ruas,
feito neblina lúbrica pela cidade,
de jaqueta de couro barato
como as prostitutas das ruas
a quem os clientes regateiam preços.
Agonizando entre bêbados, lésbicas,
prostitutas e seus amantes,
em meio aos bandos de punks,
olhos de tigre em dias de fúria,
sorvendo os últimos goles de whisky
numa mesa de canto do Bife Sujo.
Ah Curitiba sem mais vampiros nem polaquinhas,
e quase sem corruíras,
tuas noites de veadinhos sem sono
vagando feito morcegos
pela Praça Osório.
Ai Curitiba das heróicas bebedoras de esperma:
As drag queens riquinhas
mostrando as pernas peludas
em recintos fechados.
As putinhas iniciantes da Cruz Machado,
recém chegadas do interior.
A puta velha do fusca
que faz ponto na Rua Sete de Setembro.
As travecas da Avenida Iguaçu,
a gilete sempre pronta na bolsa.
Ai Curitiba da sala de espera da delegacia da mulher:
As dançarinas de strip tease
cortadas à navalha,
As donas de casa espancadas pelo marido,
As vizinhas comidas na escada do prédio.
A menina de família traçada pelo pai
mas testemunha o quanto ele é santo.
Ai Curitiba dos catadores de papel,
das ratazanas enormes saindo dos rios,
dos meninos de rua cheirando cola
e mostrando facas.
e mostrando facas.
Fotografia Regina Bostulim: Lina Faria
REGINA BOSTULIM: escritora, jornalista, fotógrafa, artista plástica, artesã. Trabalhou como jornalista e publicou como escritora em jornais de grande circulação nacional como Jornal do Brasil. Recebeu homenagens e publicou em jornais culturais como Cândido e Memai. Publicou mais de trinta e cinco livros em papel no Brasil e Exterior. Ganhou o Prêmio Nacional Helena Kolody de Poesia. Estudou na Universidade de Coimbra, Portugal, onde é membro do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos. É correspondente da Academia de Ciências de São Petersburgo, Rússia. Como artista plástica, fotógrafa, e artesã, expôs em individuais e coletivas no país e no estrangeiro. Tem obras artísticas em conceituados acervos nacionais e europeus, e livros em bibliotecas como Biblioteca Joanina, considerada a sexta melhor do mundo.