Mármore
Navego em barcos brancos,
reconstituindo-me, glóbulo a glóbulo,
a buscar proteção sob asas libertinas,
tornando-me uma visão fantasmagórica apavorante,
brutal como a morte,
cinza como o mármore;
sem beijo, sem língua, sem sexo.
Uma prostituta coberta de ouro e pus.
Eternidade
Eu sinto que fui gerada por criaturas celestes, de céus distantes, de noites distantes.
Herdei de meus antepassados os hábitos noturnos, o gosto pelas distâncias.
Meu canto não é compreendido porque é verdadeiro,
é triste porque é solitário.
Nasci em um ninho de ervas daninhas;
nasci morta, cresci morta, estou morta.
Não tenho motivos para temer um estado permanente de luto e de escuridão.
Eu sempre estive morta.
O Quarto
Eu nada sei dos ventos,
mas conheço o hino de Lúcifer,
o clamor que ecoa sutil sobre torres de gelo.
Aceno lágrimas ao silêncio
entre paredes desertas
e armários inóspitos;
canto as letras de meu nome
enquanto os ruídos das casas e das ruas
continuam a me perturbar,
a desdenhar de meu destino sombrio;
enquanto a noite
ainda geme com sua voz enlutada,
amparada por um anjo cego.
Apena ecos.
Maria
Um fantasma, uma víscera;
um mural, um muro,
um murro.
Nunca princesa,
alheia a torres e castelos,
íntima de frios mármores, de silenciosas catacumbas.
Sincera, por isso louca.
Humana.
Sarcófago
Os santos são feitos de orgias silenciosas,
de orgasmos solitários,
de cumplicidades obscuras,
de corpos adulterados,
de holocaustos subjetivos.
Levantam-se os santos de cemitérios clandestinos,
de baús sacros,
de bordéis abençoados
e acasos supersticiosos.
Incoerências, pretensões, obsessões.
Entre o luxo e a profecia,
a carne e a matéria fria,
morre o santo para si,
vive o santo para a igreja.
Cifras
O grito veio do fundo mudo
e ecoou oco, aos poucos.
Não era um grito de susto,
não era um grito de raiva,
tampouco era um grito de empolgação ou de alegria.
Era, sim, um grito ressentido;
era, sim, um grito gritado para que todas as lágrimas fossem choradas.
O mais belo de todos os gritos,
feito de um fôlego só, de uma só dor, de uma dor só.
Vulcanizado, perpétuo.
O meu grito.
Tereza Du'Zai, natural de Itajaí, SC, é poeta, contista, cronista e professora de Língua Portuguesa e Literatura. Atualmente, a autora tem se dedicado à produção e à divulgação de sua obra literária. Seus poemas têm sido publicados em revistas, blogs e jornais brasileiros.