O ilestristae o fazedor-de-histórias são osverdadeiros criadores da informidade do tempo.
Ressuscitados, eles saem consoando linha por linha nos pulmões dos relógios assentando os ponteiros às sombras.
O ilestristae o fazedor-de-histórias pensam no tecer da temporalidade. Pesam as funções.
Criam. Demarcam a ordem da multidimensão imaginária. De-multiplicam dentro-e-fora da perspectiva temporal-moral-racional.
O iletrista e o fazedor-de-histórias podem conceber um espaço sem tempo, mas não um tempo sem espaço.
Sabem que o tempo é hipertextual, hipersignico.
O tempo necessita das coisas para existir.
Sempre em crise: sem-origens, sem-fins, sem-melhoramentos.
Em um universo absolutamente vazio.O tempo não existe.
O tempo corresponde ainda à qualidade do ser, algo que lhe pertence por definição, mas do qual não pode separar-se.
O tempo consome-se aos poucos, quando fazemos uso dele. Não pode isolar-se, nem reservar-se; nem num calendário, nem dentro de uma clepsidra.
Não se pode economizá-lo para utilizá-lo mais tarde.In decursu temporum.
Atrás do escritor e do poeta, não existe absolutamente nada: nada separa o dia mofado que foi ontem da batalha que é hoje. Ambos reúnem-se para sua própria inexistência.
O único tempo possível é o futuro, pois o que chamamos de “presente” é apenas uma permanente morte.
Sabemos o que o futuro significa: é nada mais que uma simples possibilidade. Simplesmente é.Perditio tempus.
É o carnaval do mundo: estamos imóveis, desejantes, esquecidos. Dentro do museu.
Somos tempo porque carnavalizamos nele a nossa imaginação. O futuro compõe-se do eixo puro e cego do desejo.
As brechas, o trabalho do tempo permitiu-se, reproduziu-se a partir delas. Nelas.
Janelas para contemplar à vista. Os prazos sempre se alongam nos prazeres.
À revelia, o tempo inspira feito bibliotecas imaginárias. À contramão, a literatura inibe o tempo. Mesmo precária, a poesia assoma-o, arrebata-o para o seu ventre.
Não há o caso, o acaso há. Tudo sai a esmo.
Não há consciências da realidade, somente expressão dela.
Enquanto as ideias circulam. Circula o tempo.
Enquanto a literatura houver. Tempo há.
Enquanto tantas histórias caberem. Em quanto tempo restará repousante. Ficará dormindo.
Enquanto as possibilidades e as circunstâncias são. O tempo é.
Sabemos que o tempo está aqui, que se dirige à nós, que está prestes a chegar.
Sabemos que todas as tentativas são ordenadas, em espaços conhecidos da literatura e extra-literatura. Mas como? Onde?
O tempo seria assim a dimensão da queda, da queda nela mesma. Nos territórios conquistados da manada, do maquinário humano.
Imagem: Pixabay
Jediel Gonçalves é poeta e crítico literário erradicado na França, mestre em Literatura Francesa, membro do Laboratório de Estudos Intersemióticos e pesquisador em literatura francesa dos séculos XIX e XX, na Aix-Marseille Université. Realiza atualmente Doutorado em estudos intersemióticos sobre a recepção da pintura na obra literária do escritor francês Marcel Proust. Também escreve ensaios e resenhas críticas para revistas de literatura na França, entre elas La Cause