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Ilustração: Joana Jankowska |
Suicídio
Um furo perto da garganta
e você volta a respirar
Sente que o ar te pune
a tentativa malograda
de arrancar a poesia
Invade o que não lhe cabe
viola outros sentidos
Não poder falar
o som que ele faz quando expulso
te mete em apuros linguísticos
No gerúndio você escreve:
está me matando.
A enfermeira te induz ao sono
antes de perguntar o quê.
A base de tudo o que há
Caminhar sozinha e fazer perguntas
que morrem
antes mesmo de tocarem o chão
As folhas pendem por mais tempo
caem
e na terra permanecem por mais tempo
que nossos olhos
adaptáveis à escuridão
mas nunca à luz.
Cegamos diante da luz
e de determinadas respostas.
Com ciência
Passo todos os dias por um mastro sem bandeira
e me pergunto se um dia houve
e se um dia haverá
cores ou estrelas o bastante
para dar conta da imaginação
dos homens.
Não preciso de respostas.
É tarefa do poeta
inventar enigmas
e deixar que decifrem a origem
das coisas que insistem
em se esconder
para os que não sabem
nada
de uni-versos livres.
Liberdade segundo Quixote
Os dias são longos como unhas
penso que devo fazer alguma coisa
as pessoas correm com calças grossas e camadas de casacos
muita gente corre por correr, vejo pela janela
muita gente vê pela janela
e deve pensar a mesma coisa
enquanto come as unhas.
O arbítrio sente frio e se protege,
abandona as palavras.
Ellen Maria Vasconcellos é autora do livro de poemas Chacharitas & gambuzinos, publicado em edição bilíngue (português e espanhol) pela Editora Patuá. É tradutora do livro Ângulo de guinada, do autor estadunidense Bem Lerner, lançado em ebook pela e-galáxia. Tem textos próprios e traduções de poetas de toda América publicados em diversas antologias e revistas impressas e digitais no Brasil, Chile, México e Espanha. É colaboradora da “Malha Fina Cartonera” e da página do facebook“Nova poesia norte-americana”. Escreve também assiduamente em seu blog: http://ritepramim.blogspot.com.