A ponto de cair
“Yo estoy vigilante para hablar de lo que veo
a través de la ventana”
Orietta Lozano.
Todas as aves se juntaram
no verde manto da terra que vejo pela janela
Tenho confundido peixes voadores com andorinhas
e quando as águas avistam as cores do pasto
não posso distinguir a terra do lago
se em todo canto pedras e lírios ardem como a flor do dia.
Meus pés saberão que a terra é terra
e que a água é água,
porque aí crescem árvores imensas sem que eu seja sombra.
Ou serei ave a ponto de cair.
Ou serei mulher a ponto de voar
de bailar
de caminhar sobre as águas
ou morrer afogada.
Então a natureza irá arder em mim e a cor da matéria será turva.
Porque preciso loucamente
tocar a seiva dos bosques e os campos
esquecer a cena da janela e mergulhar para sempre
no verde manto destas águas.
(De “A riesgo de Caer”, Ed. Corazón de Mango, 2012).
Encontro
Minha maneira de esperar que algo aconteça é obsessiva. Espero sempre que se lance sobre mim a fera que se esconde por detrás dos acontecimentos do dia. Mas não espero mais que poucos segundos: desejo que me encontrem enquanto busco ou enquanto celebro qualquer achado.
A melhor forma de encontrar é ficar imóvel enquanto tudo gira ou as sirenes tocam: o mundo então é todas as coisas que antes ou depois se camuflam embaixo da aparência do cotidiano. Desejo o turbilhão de imagens que ficam atrás de cada movimento nas ondas leves do ar. Desejo ser aquilo que tu olhas sem saber, todas as coisas que em nome do destino foram dedicadas ao vazio do abandono. Porque não te deste conta, porque o gavião é dono de sua queixa, mas desconhece o que me tem passado, porque está no mundo e é meu encontro.
(De “A riesgo de Caer”, Ed. Corazón de Mango, 2012).
O domínio do ínfimo
I
Isso que escuto não é um pássaro
que canta nesta tarde.
E sim a lembrança de um outro que cantou
naquela manhã em que acordei
tão acesa quanto a árvore
tocada pelo raio de sol.
E aquele canto foi ainda a lembrança
que imaginei escutar
numa tarde como esta embaixo de uma árvore
que serviu de sombra
a uma tumba esquecida.
O tempo é esse pássaro prisioneiro
que não para de cantar.
II
O pássaro rompe velozmente
o ar pesado deste dia.
E conduz minha visão por caminhos em que é lícito calar
para que o vento e as folhas ébrias das árvores
falem.
O que falam?
Eu não sabia decifrar.
Sussurram suavemente uma canção antiga
camuflada de galho em galho
como pequenos animais.
Ao chegar nas alturas
um trovão distante ensurdece a canção
e lança ao vazio sua silenciosa morte
antes que o pássaro rompa novamente
a ébria densidade do mundo.
(De “A riesgo de Caer”, Ed. Corazón de Mango, 2012).
Lua em junho
A lua cairá sobre nossas cabeças.
Posso ver pela linha côncava
que nasce no sol.
Agora se alinha verticalmente a duas estrelas
agora pressinto sua queda no rio
nessa serpente cobre tão antiga quanto junho
quando o céu remove o sal
que alimenta nosso fogo.
Agora
todos os astros
se olham no espelho do rio:
fui hipnotizada pelas luas gêmeas
e pela visão de meu amante
que caminha
na semente cobre de meus sonhos.
(De “El Cuaderno Azul”, inédito)
Noite sem lua
A noite voltou a cair sobre mim.
Esta vez com chuva
e silvestre agonia de grilos e vaga-lumes
que removem meu silêncio.
Além dessa janela
é a noite quem me observa
e faz de mim uma substancia trêmula
diante de seu mistério.
(De “El Cuaderno Azul”, inédito)
Tenho somente um destino
-e a certeza
de que escorrega de minhas mãos
e será absurdo reclamá-lo-
Somente uma convulsão espiritual
diante do espelho que nada diz.
-Como a certeza
de que a aranha existe
apesar de sua beleza inútil-.
Essas mãos de linhas inaugurais,
estes olhos temerosos da noite
e algumas vidas espaças
somente isso possuo.
A Lucía Estrada
Agora surge do dia
a metade de sua vida planetária.
Hora meridiana para deixar repousar a dor no alto de uma árvore.
A linha vital do dia surge quando o monte distante da noite
abandona meus olhos a este corpo que não me pertence.
A quem pertenceria, então?
Todos os deuses caíram nas profundezas de meu jardim,
lágrimas caem sobre a folha, o talo se estremece e embaixo de sua sombra
sobre a terra, a flor caída.
Não pises. Esse é meu corpo.
A negação da loucura
A chuva cai sem parar.
Uma chuva tensa do inverno do Trópico.
Bolhas aparentemente inúteis se molham no temporal.
Dentro de uma delas estou eu
sedenta de água e ensopada de medo.
Perto desta bolha,
os sonhos do passado anunciam a notícia
de minha lucidez primaveril:
ratazanas do bosque
porco-espinho de água
aves monstruosas voltam a roer a pedra do destino
que escolhi para esta vida.
Então de volta às minhas visões
me dou conta de que este bosque
por onde caminhei possui orelhas e olhos
que disparam miradas de fome sobre mim
e através da bolha
um sapo é plasmado ao meu peito nu
para que o grito contido de todas as noites antigas
me desperte
seca de chuva
afogada em um poema.
“Agua, agua por todas partes,
/y no hay una sola gota para beber.”
Samuel Taylor Coleridge
Não é para beber.
O rio derrama seu leito apenas para que nos afoguemos.
Para ver morrer a tarde inundada de pássaros feridos que são levados pelas águas.
Mas tenho que morrer de sede,
não mergulhada nas águas.
Mas tenho que morrer afogada,
e não com a garganta seca.
Partirei para reverenciar outros rios,
os rios de palavras, de silêncios.
Partirei no final da tarde com o coração nas mãos
porque minhas costas não toleram mais a face do julgamento,
porque meus olhos voam distante deste corpo
à procura das ondas verdes dos dias
e das ondas negras de outros olhos.
Não é para beber.
O rio derrama seu leito apenas para que nos afoguemos.
Esperarei que transborde minhas fronteiras
Me invada.
Me consuma.
Tradução do espanhol; Edson Oliveira, revisão de: Veronica Aranda e Clarissa Macedo.
Irina Henriquez , San Juan Nepomuceno (Colômbia), de 1988. Diretora da Oficina Literária "Manuel Zapata Olivella”, da Universidade de Córdoba (membro da Rede Escrita Criativa - RELATA). Publicou A Riesgo de Caer (A Risco de Cair) - poesia - (Edições Corazón de Mango, 2012). Seus poemas foram publicados em jornais, revistas e antologias colombianas. Produtora do curta-metragem de ficção “Tierra Escarlata” (Terra Escarlate) [Premio Macondo 2013] e do longa/documentário em processo “Hombre Macho” (Homem Macho), ambos dirigidos por Jesús Reyes Hoyos. Participou de festivais e encontros poéticos nacionais e internacionais. É coordenadora do Encontro Internacional de Mulheres Poetas de Cereté.