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No Ventre da Lua - Rosa Maria Mano

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Ilustração: Zhang Jingna



Desalinho

Teu pensamento corta o meu, navalha que rasga a ferida que nunca se fecha.
A tua boca me diz o que tua cabeça não pretende, o que teu coração desafia numa agonia de esquecer.
O amor que me acomete de febre e desalinho, vem do meu sangue, mas também do teu. A insônia que incha meus olhos, são os teus.
Não posso te dizer do amor que tenho. Então não digo.
Mas nunca o teu ardor, a tua veia, a tua desatada fome, o teu medo, pediram que eu não fale sobre o teu.



Silêncio

Descubro fogos em mim com cacos de vidro entre as chamas. Um ácido crepúsculo escreveu teu rosto no Morro de São João.
Decifro lábios, curvas da boca, olhos desviados. Reconheço tua cabeça desenhada na pedra, recostada num céu de cobre e algodão. Cinzel do meu ofício, teu coração morde minha poesia.
Tua desavença é a falta de paz da minha.
Cubro, meu amor, as tuas costas com meu peito.
Silêncio. Silêncio.
Somente a lua veja este momento.



Saberá

Chamo por você no núcleo de uma pedra,
pra que a Terra não esqueça.
No ninho da sabiá,
pra que o chamado aprenda a cantar.
Chamo na chuva,
pra que as folhas desejem a sua vinda.
Eu chamo por você numa rosa,
pra que me guarde no perfume.
Chamo por você num ritual benzido pela lua,
pra enfeitiçar seus olhos.
Nos meus seios chamo.
E você responde. E você se lança. Vem todo pra mim.



Poemas nos Varais

Talvez um dia, um poema maldito, mascarado, desabrigado, me salve ou leve ou expurgue a solidão de pés feridos e a dúvida.
Não escrevo poemas, vivo neles. Me contorço em cada um, esparramo silêncios e gritos que não me cabem. Velhos trapos desbotados nos varais do tempo.
Poemas meus não são traços, são rugas e cicatrizes, feridas que não curo.
Quem sabe um deles me acolha. Quem sabe me enlouqueça, que a loucura é um bálsamo, um vinho forte que abriga e faz dormir o silêncio.



Um Poema Enamorado

Estou trocando um beijo roubado ao sol. Um calafrio tecido com as teias da madrugada. Troco meus fios lunares, meus dedos de artesã de suspiros amolecidos pelo calor da tarde. Troco as rendas que recebi das águas-vivas e os segredos que divido com uma estrela-do-mar confidente.
Troco por um beijo teu, pela carícia das pontas dos teus dedos.



Porque sim. Porque sol

Você transforma em feixes de sol meu esqueleto.
Quando me pergunto por que amo você, tanto e tanto, meus ossos respondem: porque sim. Porque sol.


Ilustração: Zhang Jingna


No Ventre da Lua.

Três horas da manhã de lua cheia.
A pele ouve o que você diz. Há um eco de você em cada movimento da rua, nos prateados soluços da lua, nos barcos.
Seu amor derruba os muros, constrói colmeias de sonhos dentro da noite entremeada de esperas.
Sua carícia me encontra descoberta. Como um sino, sua língua estala em meu ouvido.
Você prepara um banquete de orquídeas, uma sinfonia de água cheirosa. Cobre minha cama com seus olhos, meu corpo com seu desejo. E descobre cada segredo do meu.
A lua é uma comparsa. Maga, nos acolhe em seu ventre grávido de luz.



Você debaixo da blusa

Escrevo teu nome numa vela de mel. Arremato na barra da saia. Ele escapa e sob a bata branca, dança quando o vento estufa, velas prontas em tons dourados. E que delícia, teu nome sob a blusa.



Asas

Quero ser pássaro esta noite. Vou buscar seu coração. Levo um beijo na garganta, pra alimentar você, meu amor.



Meu Beijo Teu

Um pássaro de fogo
Eu gesto na garganta.
E ele cria no bico

O meu beijo teu.



Rosa Maria Mano, nascida em São Paulo, capital, num frio e ensolarado setembro, perfumado por jasmins-do-Cabo. Faculdade de Letras interrompida. Estudando História na Universidade Estácio de Sá. Autora de Xamã, 1º livro de poemas pela Litográfica Editora – São Paulo (1984), enriquecido pela capa de Elifas Andreato, Três Marias e um Cometa, infanto-juvenil pela Companhia Editora Nacional (1986). Fruto Mulher, Coletânea de poesia pela Editora Semente – São Paulo (1983). Também contista, tendo publicado O Gato pelo D.O. Leitura, Suplemento Cultural do D.O de São Paulo – São Paulo (1987), Clara Morte de Clarice, no site Recanto das LetrasO Tigre, na Fan Page Rosa Maria Mano – Poesia. Publicando diariamente na Fan Page e na página Rosa Maria Mano – Facebook. Prêmio SESC de Poesia – 1999 – 1º lugar na edição municipal – Teresópolis, com o poema A Lua Negra. 2º lugar, na mesma edição, com o poema Recendência. Prêmio SESC de poesia – 1999 – 2º lugar na edição estadual – Rio de Janeiro, com o poema A Lua Negra. Próximos lançamentos : Vento na Saia – eBook – poesia e Somos Marias – com Maria Lorenci – eBook – contos e poesia.

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