Rio Doce
À beira dos seus olhos escuros
Uma vida escorria quase desleixada por entre seixos, margens, enseios.
Podia-se ouvir ao longe o fremir de águas antigas contra rochas de limo vestidas.
Podia-se tremer sob tambores krenaks em transe e sorrir do gracejo das crianças
[ribeirinhas ávidas de curimbatás grelhados.
À beira dos seus olhos claros
Bento, Joca e Gonçalves acariciavam suas ondas inocentes
Desenleavam seus cachos molhados, gabavam-se de seus seios fartos, ao
[relento dormiam remansados.
Doce era a lida à margem daquele rio adulado.
À beira dos seus olhos túrgidos
De repente amanheceu o dia núbilo
enlameado e ludro, ausente de sussurros, suspiros, urros, de tudo.
Minguado, mirrado e estúpido
Devasso, lodoso e sujo.
À beira dos seus olhos rubros
Durante aquele dia rudo
O rio só, sobrou mudo.
Do que via de sua janela, Maria
Daquilo que era apenas júbilo
Dos trinados, deleites e formosuras
Até mesmo de Bento, Joca e Gonçalves
Tudo foi somente nojo
De foz em fora
Luto.
Sainte Geneviève des bois (15/12/2015)
Celso Libânio-É mineiro de Poços de Caldas. Estudou no Colégio Marista e formou-se, mais tarde, na Unicamp. Deixou o Brasil em 1982 para fazer mestrado e DEA em literatura francesa comparada na Université Paris VII, sob orientação da Prof. Julia Kristeva. Obteve seu DEA em literatura portuguesa sob a orientação do Prof. Eduardo Prado Coelho. Estudou teoria poética na École Normale Supérieure e assistiu aos seminários do poeta Yves Bonnefoy, no Collège de France. Na mesma época, frequentou os seminários do Collège International de Philosophie.
Teve publicadas, na França, traduções dos poetas Manoel de Barros, Hilda Hilst e Paulo Leminski, entre outros; no Brasil, a tradução do livro Experiência Interiordo filósofo Georges Bataille.
Escreveu romance, contos e poemas.
Sua última publicação se deu na coletânea de poetas portugueses Clepsidra, editada em Lisboa.