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5 poemas de Arzírio Cardoso

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Ilustração: Altamash Urooj




Cactos


Ao sol escaldante deste inferno sem fim
Com perícia, com calma
Minhas folhas espalmadas enrodilho-as
Sobre si:
Punhos Cerrados em promessa de revide,
Um abraçar-se, insígnia maior de salvaguarda.

Para que nada me calcine
                          cauterize
                          espezinhe
Tramo espinhos:
Debilidade afetada de insolência
O sempre-medo a enrijecer fragilidades
Repositório a represar a água exígua.




Desertos


Arenosa, arenífera, aérea imensidão
De onde toda mansidão se desagrega.

Arena aracnídea constituída de espinhos e espreitas
Movimentos prestos
E espera
Regida pela fluência áspera
Da areia
A declamar estrias, coreografias, sulcos
Pela influência cortante
Da areia
A ressecar córregos, hálitos, olhos
Pela dicção sequiosa dicção de areia
E suas perenes securas seculares.

Espaços ermos onde a fome e a carestia são a bússola
Magnetizada por golpes de caudal lança,
Vigilância
E a predileção por esta noite escorpiônica
EscorpiôNix.

Talvez me perguntes:
Será somente dos desertos que ora falo?

Essa manufatura provendo apenas o precário
Provisório
Essa vastidão elaborada com silício
E silêncio...


Ilustração: Altamaschu Orooj


Um homem remendado...


Um homem remendado
Francamente Frankenstein
Feito de fraturas, fragmentos,
Frações e medos e arremedos
                            ancestrais
Isolado em invólucros, alvéolos,
Redes de esgoto, de desgosto
Sociais
Busca uma visão do todo.
Mas o todo é o alvéolo
É o invólucro
É o instante.
A abstração do conjunto
Não resiste ao um mais um mais um mais um...
Só há estilhaços
E as estradas de ferro e aço
Ligam nada
A lugar nenhum.




As cidades: A cidade


As cidades, ácidas,
Onde o homem é o centro e o cetro
Onde o homem consubstancia-se
Fazendo-se pedra
Fazendo concreto
E geométrico, euclidiano
Traça metas-retas-planos
Através das origens concêntricas
De seu espírito espiralado;

As cidades, aliciantes, aliciadas,
Onde subterrâneos, subcutâneos,
Em trilhos sonoros e sem sono
Trens estremecem Alices, alicerces,
E sucessos e danos
Igualmente
Sucedâneos;

As cidades, assediadas,
Sedes da fome e da sede,
Onde o medo precede
A fuga e o ataque
E uma refeição frugal
Mal suporta o baque
De tantas incertezas sempre refeitas,
Sempre refênix;

A cidade, sitiada,
Onde o rock rap hip-hop
Dão a letra
Dão a cara
Feridas de violência letal
Ultravioleta
E cantam suas rimas pobres
Sobre um ambiente ambíguo e podre
Pródigo para a reprodução em cativeiro
De uma espécie em extinção
Que suga dos ubres dessa urbe
Seu cimento colostral;

A cidade, citadina,
E o seu chão cinza
E o seu ar cinza
E sua alma cinza
E seu todo cinza,
De dizer sim
A outra cor mais aérea, menos venérea,
Será capaz
Ainda?
A cidade e sua unicidade
A cidade e suas siglas, sua sina, sua SIDA
A cidade assassina e suicida;

A cidade, sem unicidade, contradita,
Com seus olhos e óleos ambivalentes,
A grande Mãe e a grande Prostituta,
Ela vivendo nela
Entre cancros e morangos
Seringas e cerejas
Muros e amoras
Túmulos e tâmaras
Morcegos, ascos
Pêssegos, damascos
E a foice que ceifará os cachos
Da videira da Terra
Porque as uvas já estão maduras;

A cidade e suas sete faces
Setenta e sete vezes sete faces
Ciclone enciclopédico varrendo átomos e literatura
Em meio aos fogos e artifícios de um ano novo envelhecido
Saltos de janelas e de trens não-romanescos
Sortes-sem-acertos
Erros-sem-azares
E ruas-becos-iludidos-sem-saída:
Porque toda entrada é saída retorcida...
...Oh! Baby! You are so alone!
Cause you are (in)
Babilon…
E a tenda (a cidade das cidades)
A surgir dos céus
A surgir do ardor
A surgir do além
Jerusalém
Tardará...tardará...tardará...
Tardar é o seu princípio
(O princípio dos princípios)
Hosana! Aleluia! Amém!




Microcosmo


A dor que você me infligia
Penso até que não doía tanto
Um pouco
Eu até fingia
Pra ver se aumentava o seu espanto.

Não aumentava.
E ainda dizia
-Engole o choro
Que não é pra tanto.

Pelo que se tornava honesto
Meu sofrimento beduíno
Num microcosmo exemplar de humanidade
Atravessando seus desertos falsos
E genuínos.



Os poemas “Um homem remendado...” e “As cidades: A cidade” fazem parte do livro Bromas & Bromélias, lançado dia 07/11/15 pela Editora Penalux.




Arzírio Cardosoé um escritor e professor paranaense. Graduado em Letras Português-Espanhol, dedica-se à poesia desde 2003. Alguns de seus poemas, publicados aqui e acolá em blogs e páginas na internet, fazem parte de seu livro de estreia, Bromas & Bromélias,  lançado este ano (2015) pela Editora Penalux. 

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