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NOVEMBRO, EU TE ODEIO! - Uma crônica natalina de Maria Balé

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NOVEMBRO, EU TE ODEIO!

Odeio novembro. Odeio porque sai à francesa, dá o lugar a dezembro. 

E aqui está ele, dezembro, e o advento natalício. 

Odeio o advento natalício. Odeio porque a rotina enlouquece, passa os dias parindo desconfortos e acidentes. A Las Vegas planetária se instala condenando as horas ao dia eterno. Insones, os pássaros que sobrevivem ao extermínio da pós-modernidade não encontram a noite nos galhos das suas árvores espetadas, asfixiadas por cabos elétricos, fios e milhares de luzes de brilho intenso. Árvores, pobres árvores, perfuradas e expostas aos fungos, só lhes resta o destino inconveniente, a morte anunciada. 

— Antecipe o seu Natal, antecipe suas compras, antecipe sua festa, antecipe. Antecipe tudo. Antecipe, a ordem da vez. Livre-se da gerúndica alegria da espera. Antecipe. Decretado o fim da véspera. Ejaculação precoce já!

Padeço de banzo de dezembro. Padeço da síndrome da inadequação. Divago nas lembranças de outros tempos que nem sei se existiram ou se foram sonhos pueris de um tempo em que as bolas natalinas se quebravam ao menor descuido. 

Não vejo as pessoas felizes com a possibilidade de encontros e reencontros com entes queridos. Não vejo propostas de perdão, tampouco sinais de que os sentimentos possam se transformar em algo diferente da histeria coletiva que reina soberana nos gestos, nos olhos, nas palavras, nos lares, nas ruas, nas esquinas, nos compromissos compulsórios e obrigações de conveniência.

Ademais da melancólica incidência dos eventos mencionados, acomete-me a náusea frente à obrigatoriedade da institucionalizada caixinha de Natal para toda categoria de prestadores de serviços. Também conhecida como propina, a caixinha de natal tem caráter de encargo trabalhista. Money, money.

E uma pergunta que se apresenta: — quem dá caixinha, dá muito, dá pouco, não dá, terá diferencial no atendimento?

Em síntese, não vejo que a data conhecida como a de nascimento de Jesus, um cara sério, predestinado ao Bem e coerente com suas pregações, tenha algum significado religioso, ou de vida nova, justa, sem o egoísmo, a antropofagia e seus refluxos ácidos, que impera em todas as formas de sociedade.

Natal é, ou deveria ser, metáfora do nascimento do salvador das misérias terrenas. Transcende às narrativas litúrgicas, bem como à ditadura do calendário, para tornar-se real em qualquer dia e qualquer transeunte cósmico que esteja em sintonia com apelos da errática e perecível condição humana. 

Ah, se vejo algo de bom no Natal? — Claro que sim. Quando ele acaba.




Maria Balé é pós-graduada em Comunicação Corporativa pela PUC-São Paulo. Produtora de textos, cronista, contista e fotógrafa. Tem curso de Extensão Universitária na disciplina Diálogos entre Filosofia, Cinema e Humanidades, PUC-São Paulo e de Roteiro de Curta Metragem pelo extinto Espaço Unibanco de Cinema, com curadoria do roteirista Di Moretti. Venceu, por 4 vezes, o primeiro prêmio Acesc de Literatura, categorias crônica e conto.

Fotografia de ilustração: Ricardo Laf

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