![]() |
Ilustração: Rhyme Lawliet |
3
1.
uma das paredes que encontrei no meio do caminho dizia
resista
como quem sugere que a vida seria difícil?
como quem sugere que um perigo vem logo ali?
como quem me diz
quando acordo
que resistir é o melhor caminho
para se fazer entendido
entre um tapa e o outro
seria esse o significado de resistência?
valendo tão pouco e rodeado de quase nada
eu tentei entender o que significa resistência
tentando resistir ao máximo de tudo
em tudo
tentando puxar ao limite o significado dessa tal palavra
como quem segura um elástico e se prepara
para lançar alguma pedra
resista
como quem sugere que a vida seria difícil?
como quem sugere que um perigo vem logo ali?
como quem me diz
quando acordo
que resistir é o melhor caminho
para se fazer entendido
entre um tapa e o outro
seria esse o significado de resistência?
valendo tão pouco e rodeado de quase nada
eu tentei entender o que significa resistência
tentando resistir ao máximo de tudo
em tudo
tentando puxar ao limite o significado dessa tal palavra
como quem segura um elástico e se prepara
para lançar alguma pedra
só não vi quando o meu próprio ato estourou
e a pedra no meu pé
caiu
e a pedra no meu pé
caiu
2.
a primeira vez que eu sonhei estar me afogando
me disseram que talvez
eu precisasse entender algo
que estava guardado dentro de mim
de acordo com alguém
em algum dicionário do sonhos
sonhar com um afogamento tem
um significado melancólico
como se perder numa imensidão
me disseram que talvez
eu precisasse entender algo
que estava guardado dentro de mim
de acordo com alguém
em algum dicionário do sonhos
sonhar com um afogamento tem
um significado melancólico
como se perder numa imensidão
como desejar a própria morte
como prever algo ruim
como estar imerso em algo triste
como prever algo ruim
como estar imerso em algo triste
nunca liguei para o significado
do meu sonho
estar se afogando, para mim,
significava simplesmente
que eu estava me afogando num sonho
do meu sonho
estar se afogando, para mim,
significava simplesmente
que eu estava me afogando num sonho
um sonho é um sonho
seria eu um suicida por estar me afogando
em um sonho?
seria eu um suicida por estar me afogando
em um sonho?
ou seria o sonho o suicida
por estar se afogando
dentro dele mesmo
como quem cria uma cratera
e se coloca lá dentro
de modo a esconder algo
por estar se afogando
dentro dele mesmo
como quem cria uma cratera
e se coloca lá dentro
de modo a esconder algo
quem enterra algo dentro da água
enterra realmente
de fato?
enterra realmente
de fato?
ou é a água algo extremamente violento
que transborda para outro lado o que estaria sendo
enterrado
e desloca
para alguém
em outro ponto
algo que deveria ter sido
enterrado
em um local fixo
geograficamente
e s t a n q u e
?
que transborda para outro lado o que estaria sendo
enterrado
e desloca
para alguém
em outro ponto
algo que deveria ter sido
enterrado
em um local fixo
geograficamente
e s t a n q u e
?
quando eu sonhei que estava me afogando
eu não me senti mal
a água me levava
levemente
eu me sentia bem
eu não soltava bolhas de ar
como naquelas fotografias
em que as pessoas soltam muitas
bolhas
como quem segura a respiração
e acaba parecendo um baiacu
eu estava bem
eu olhava diretamente para um ponto
como se o meu eu afogado
e o meu eu sonhador
estivessem separados de alguma maneira
e eu fosse, na verdade,
espectador e ator
eu era afogado e autor
talvez eu mesmo estivesse afogado
e me afogando
e assim
me olhava em uma cumplicidade tenra
eu me sentia bem me afogando
porque nem lutar contra o sentimento da água
me preenchendo os pulmões
eu lutava
eu não me senti mal
a água me levava
levemente
eu me sentia bem
eu não soltava bolhas de ar
como naquelas fotografias
em que as pessoas soltam muitas
bolhas
como quem segura a respiração
e acaba parecendo um baiacu
eu estava bem
eu olhava diretamente para um ponto
como se o meu eu afogado
e o meu eu sonhador
estivessem separados de alguma maneira
e eu fosse, na verdade,
espectador e ator
eu era afogado e autor
talvez eu mesmo estivesse afogado
e me afogando
e assim
me olhava em uma cumplicidade tenra
eu me sentia bem me afogando
porque nem lutar contra o sentimento da água
me preenchendo os pulmões
eu lutava
eu deixei a água me lotar
com um abraço tentando alcançar
aquele alguém que eu olhava de maneira tão
apaixonada
como quem diz
com um abraço tentando alcançar
aquele alguém que eu olhava de maneira tão
apaixonada
como quem diz
venha.
3.
-
O que fazer quando
sua palavra do dia
é mafagafo?
sua palavra do dia
é mafagafo?
4.
será que o derrida sairia no tapa
com o saussure
se eles se encontrassem na rua?
com o saussure
se eles se encontrassem na rua?
5. ~
Dores de cabeça
são seres com vida própria
que se instalam sem pedir
e não avisam
quando vão
embora
são seres com vida própria
que se instalam sem pedir
e não avisam
quando vão
embora
oficina de mafagafos
essa é a hora em que tudo bate
um corpo
meu corpo
naquele instante
parado
congelado no olho
de quem conta uma história
sobre um corpo perdido
perdido não
um corpo parado
um corpo que para
no meio da multidão
um corpo cinza
numa rua vermelha
um corpo parado
cinza
numa multidão vermelha
um corpo surdo
numa multidão sonora
um corpo colado
numa multidão desconexa
um corpo olhando
nos teus olhos
congelados na cena
em que se passa a história
um corpo acidentado
que range os dentes
na linha que treme
a silhueta desejada
um corpo que acidenta
essa é a história
de um corpo deslocado
um corpo
descolocado
um corpo cinzento
é um corpo colado
violentamente ajeitado
numa multidão sonora
corpo cinza surdo
copo jogado ao alto
ele segura o jornal
ou o jornal libera
a fonte esperada
para contar a notícia
tão esperada
do corpo colado
ao ponto cinza
da multidão vermelha
eu amei ao avesso
eu colei o meu corpo
numa multidão vermelha
como quem cola a vida
num pedaço de vidro
amar é um acidente
a vida corrói a gengiva
a vida não mede o sentido
o corpo se cola no cinza
o corpo que antes vermelho
agora ama
amaro
drummond sentado ao lado
toma o chá no café
o café à meia-noite
o café se passa na pressa
o café se passa
compressa
gelo na alma que palpita
era essa a solução da sua alma perdida?
o corpo colado na cena cinza
o corpo azul
por dentro
na multidão vermelha
sussurra o desespero
amor e ódio como polo, diz,
mas não,
o grito é o não,
amor e o polo como espectro,
diz,
sussurrando entre a mordida lábio-
dental
essa oficina se estabiliza,
essa oficina é cinza,
num mundo azul,
colado sem jeito,
essa é a história,
não de um acidente,
mas de uma bricolagem,
é assim que se cola,
uma ponta cinza,
numa ponta vermelha,
reage o mundo,
como quem expele o fundo,
arendt na terra,
plath na ponta,
na outra drummond,
drummond cerzindo,
o sentimento do sorriso,
a oficina fecha,
amor de a ao c,
sem ponto final,
só vírgula,
reticência
ama tanto
ama a ausência,
essa é a história,
que encerra o ciclo,
da colagem cinza,
num mundo vermelho,
o pontapé já levou,
na costela a dor,
o ar retirado,
nas pressas,
pelas garras,
das mãos o presente
um corpo
meu corpo
naquele instante
parado
congelado no olho
de quem conta uma história
sobre um corpo perdido
perdido não
um corpo parado
um corpo que para
no meio da multidão
um corpo cinza
numa rua vermelha
um corpo parado
cinza
numa multidão vermelha
um corpo surdo
numa multidão sonora
um corpo colado
numa multidão desconexa
um corpo olhando
nos teus olhos
congelados na cena
em que se passa a história
um corpo acidentado
que range os dentes
na linha que treme
a silhueta desejada
um corpo que acidenta
essa é a história
de um corpo deslocado
um corpo
descolocado
um corpo cinzento
é um corpo colado
violentamente ajeitado
numa multidão sonora
corpo cinza surdo
copo jogado ao alto
ele segura o jornal
ou o jornal libera
a fonte esperada
para contar a notícia
tão esperada
do corpo colado
ao ponto cinza
da multidão vermelha
eu amei ao avesso
eu colei o meu corpo
numa multidão vermelha
como quem cola a vida
num pedaço de vidro
amar é um acidente
a vida corrói a gengiva
a vida não mede o sentido
o corpo se cola no cinza
o corpo que antes vermelho
agora ama
amaro
drummond sentado ao lado
toma o chá no café
o café à meia-noite
o café se passa na pressa
o café se passa
compressa
gelo na alma que palpita
era essa a solução da sua alma perdida?
o corpo colado na cena cinza
o corpo azul
por dentro
na multidão vermelha
sussurra o desespero
amor e ódio como polo, diz,
mas não,
o grito é o não,
amor e o polo como espectro,
diz,
sussurrando entre a mordida lábio-
dental
essa oficina se estabiliza,
essa oficina é cinza,
num mundo azul,
colado sem jeito,
essa é a história,
não de um acidente,
mas de uma bricolagem,
é assim que se cola,
uma ponta cinza,
numa ponta vermelha,
reage o mundo,
como quem expele o fundo,
arendt na terra,
plath na ponta,
na outra drummond,
drummond cerzindo,
o sentimento do sorriso,
a oficina fecha,
amor de a ao c,
sem ponto final,
só vírgula,
reticência
ama tanto
ama a ausência,
essa é a história,
que encerra o ciclo,
da colagem cinza,
num mundo vermelho,
o pontapé já levou,
na costela a dor,
o ar retirado,
nas pressas,
pelas garras,
das mãos o presente
o amor na oficina,
é o ócio do ódio,
doente
é o ócio do ódio,
doente
Fabio Pomponio Saldanha nasceu em São Carlos, em 1993, interior de São Paulo, e hoje reside em São Paulo. Cursa Letras (Português-Inglês) na Universidade de São Paulo e escreve regularmente em seu wordpress. Justifica com frequência seus pés nos ares pelo signo. quarta xícara de café (Editora Patuá, 2015) é seu livro de estreia.