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Ilustração: Lady Alice |
PARA NÃO SE ESQUECER DE RESISTIR
Mas você sabe que alguma coisa está trancando as janelas. Sabe que não vai ficar assim essa história de heróis sem herói e sem final feliz. Alguém trancou o escritor na masmorra. Não haverá final feliz que caiba em tamanho abismo. Você não tem tanta imaginação, não é? Sabe apenas que é o fim do suplício, do prazer, da espera, da demora, da desforra. Os fins não chegam ao final. Os fins são todos os percursos que não fazemos. Os fins são os esquecimentos de ser.
Porque tu sabes que cair é bom
e o abismo é o lugar para ser fogo.
Porque tu sabes que ser
é como nascer em dobro.
Porque tu sabes que hoje
é o dia de dizer mais amor.
Porque tu sabes que o céu
já não é só nuvens.
Porque tu sabes que a palavra
é o sangue universal.
Porque tu sabes que o tempo
é o esboço da eternidade.
Porque tu sabes que nós
desenterramos tesouros.
Porque tu sabes que um dia
tudo será verde-musgo.
Porque tu sabes que saber
é um império invisível.
Porque tu sabes que ir
é o destino de quem é.
Porque tu sabes que só há
uma rua entre nossos nadas.
Porque tu sabes que nada
se comparará ao nosso silêncio de água...
e que um dia silencioso
faz-se todo de amor:
o grito de ser dois.
AS COISAS SÃO MAIS QUE SEUS NOMES
um nada de convencionar-se,
um oposto que está dito,
um qualquer susto no silêncio,
um ademais por detrás da amurada
ou dentro da água móvel do tempo.
que o índice dita o sentido que se altera,
que o símbolo pronuncia a doença vã da dor.
e mesmo quando em vida e mesmo que espera,
o impreciso de tudo aclara-se em rega, adubador.
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Ilustração: deviantART |
CANSAÇO DE AMOR
eu queria um fim indolor
(matar-te súbita e definitivamente
como faço, de costume,
com tantas pessoas),
mas não há fim quando
é você que está dentro.
quando você está
só há uma continuação de querer,
insana e sem motivos,
desejo sem esperança,
um cansaço de amor.
INSUSTENTÁVEL
eu não te leio antiga,
picadas, mordidas, vertigens, arritmias.
leio tudo (como quem pisa em brasas
porque precisa chegar em casa),
você eterna desde sempre.
posso com isso? você me faz não poder
com muitas coisas e me faz poder tudo.
engulo tuas letras todas com água de amor.
como até as migalhas que caíram no chão
enquanto as peneirava. encontro-as, escondo-as,
invento histórias de que eram para mim (desde sempre)
e que não caíram por acaso de tua mesa literária
letras caídas, em fuga? de teu poético fogão,
brinco de escrever histórias na lousa do tempo
que não passou. tua proximidade me assusta.
tua ausência me assusta (sou grito distante, sou voz rouca).
habito o vão entre nós dois numa fuga contraditória
(fujo de ti para ti), vivo entre tuas sombras
e carrego o fardo de ser nada: o tudo que me mantém.
a leveza do nunca ser não nos sustenta.
A DOUTA ESPERA
"Não me espanto em despertar no meio da água."
(Adolfo Bioy Casares)
em revolta, o amor. o mesmo amor
que me faz ser triste e que de dentro da água,
fria como a derrota, ou em guerra de amor
vencendo, atira contra meu peito a dor funesta,
como um protesto contra o absurdo,
o mesmo amor da paz solitária de nossos corpos,
insígnia dos andantes passos de sombra.
em revolta, o nada do agora. à ribalta, o amor que mora
longe das reais carências centenárias de minh’alma.
o mesmo amor que desceu com a correnteza,
dobrando-se nas invenções da culpa.
em pormenores de nós: o amor que trama,
impreciso como a hipérbole perfeita,
justo como o começo dos sonhos.
o amor.
como se à meia-noite desejássemos postular
os vis propósitos das negações
ou os fantasmas de mármore do tempo,
a nos deslocar em paralelas difusas
na beira da manta marítima das prisões.
aos fins, o que nos conta a vida tempera a peste:
corremos para a entrada em douta espera.
o amor, como o mar, desobedece os poentes.
Germano Viana Xavier, 31, é jornalista, professor, mestrando em Letras pela Universidade de Pernambuco - UPE e pós-graduando em Ensino da Língua Portuguesa pela FAFICA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru - PE. Possui graduação em Jornalismo pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB e em Letras/Português e suas Literaturas pela Universidade de Pernambuco - UPE. É coordenador editorial de O Equador das Coisas.
Escreve em:
www.oequadordascoisas. blogspot.com.br
www.ogazzeta.blogspot.com.br
www.paginacultural.com.br
www.entrementes.com.br
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