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Ilustração: Akif (Hakan) Celebi |
entra sem bater
os braços as pernas a boca a
porta
fico aberta vinte e quatro
horas
ganidos
finquei todo meu desejo
no branco lençol do leito
deitei-me só e de borco
e assim eu em decúbito
abraçada ao travesseiro
farejava o teu cheiro
qual um cachorro
meu corpo de tanta ânsia
derramava a substância
advinda do meu cio
as lágrimas me afogavam
afundavam-me em areia
movediça
a fresta entre minhas pernas
jogadas de qualquer jeito
abrigava a rejeição
as ausências repetidas
das vezes que te chamei
sem retorno
não vieste não virás
e o vão do meu umbigo
a ganir nos teus ouvidos
não te deixará
no branco lençol do leito
deitei-me só e de borco
e assim eu em decúbito
abraçada ao travesseiro
farejava o teu cheiro
qual um cachorro
meu corpo de tanta ânsia
derramava a substância
advinda do meu cio
as lágrimas me afogavam
afundavam-me em areia
movediça
a fresta entre minhas pernas
jogadas de qualquer jeito
abrigava a rejeição
as ausências repetidas
das vezes que te chamei
sem retorno
não vieste não virás
e o vão do meu umbigo
a ganir nos teus ouvidos
não te deixará
da última vez
meu corpo
ao ver-te tão sorrateiro
faz canção de bem-te-vi
e ao som de um bolero
no laço do teu abraço
vira flor de sabugueiro
cheiro de mato
capim brabo
com a sede do deserto
bebe água chega perto
rodopia tem vertigem
tem inocência de virgem
recebe a ti todo
inteiro
(não desmaiei
eu morri)
fragrâncias
ele enfia a cara
entre suas pétalas
parece que a dona
(pele perfumosa)
tem dentro um jardim
que ele pesquisa
como cientista
seres que procuram
a suprema essência
ou a própria origem
regresso
saio de mim quando volto
até encaixar os ossos
os órgãos a sombra
ajustar os pensamentos
levo um tempo
saio de ti não demoro
fico mesclada a teu corpo
um só corpo – passo
de dança
até encaixar os ossos
os órgãos a sombra
ajustar os pensamentos
levo um tempo
saio de ti não demoro
fico mesclada a teu corpo
um só corpo – passo
de dança
dormentes
o corpo quieto estirado na cama
a alma vagueia por mundos e sonhos
e vai à espanha toureia o toureiro
e vai onde estejas te beija te beija
igual passarinho por céus e distâncias
conhece oceanos navios outros ares
corsários paragens reinados rebanhos
a alma é liberta o corpo é escravo
e peca e cansa padece envelhece
enquanto a alma prossegue encantada
sopa
a nudez lateja debaixo do vestido
o marido chega as vontades pulsam
e ana corta cebolas
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Ilustração: Luca Granai |
satélite
no universo da pele
o maior órgão do corpo
a sensação que me impele
a girar no seu entorno
mato seco
ando morto de saudades
de beijar a tua boca
de deixar que venha à tona
o que está a sete chaves
de fazer com que esse fogo
que incendeia a minha noite
também queime o velho corpo
de dizer sem ter vergonha
que anseio o amor
da carne
oferecida
dois palmos de saia
blusa de oncinha
as botas de salto
sem roupas de baixo
e sem agasalho
à espera de quem
nem sabia
(com beijo na boca
é o dobro)
apetite
adão e eva – inocentes
aceitaram da serpente
a maçã que era de deus
(e assim nasceu caim)
que fome filha da puta
gostaram tanto da fruta
mais saborosa que mel
(e assim nasceu abel)
água benta
atiça o fogo do padre
fá-lo sentir-se bonito
o padre ergue a cabeça
o corpo inteiro se excita
o padre abraça-a beija-a
morde-a nos lábios mamilos
o ardor se faz e o alvoroço
faz crepitar a basílica
dureza
os grandes lábios de dora
a bicá-los – um pica-pau
lavação
a quarar sobre a cama
esperava que a alma clareasse
e pecava pecava
pecava
(a quarar sobre a grama
a fama o tatame)
depois ia ao confessionário
sem piedade
enviuvei-me pela quinta vez
matei os zangões
agora espero as libélulas
seres de asas translúcidas
que não me exijam mel
e tragam-me
néctar
Líria Porto - professora, poeta, natural de araguari – mg – autora dos livros borboleta desfolhada e de lua, publicados em portugal – 2009 – e garimpo e asa de passarinho, publicados no brasil pela editora lê – 2014.