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estrelas cadentes que riscam as páginas do mundo nos poemas de Mariana Queiroz.

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imagem de Thinkstock





[Do voo]

Asas
rasgando a pele
espinhos
espreguiçam
suas pontas

Pés
cheios de caminhos
feridas
lambidas
cicatrizes
descansam

Asas
rasgando a pele
cama posta
mesa estirada
palmos
apalpam
os pergaminhos
que deixam letras
cair dos teus olhos

Leio-te
como quem bebe
depois da labuta
como quem decifra
hierógrafos
como quem cava
para chegar ao outro lado
do mundo

Asas
rasgando a pele
um corpo
novo
parindo-se
da mata escura

enluzecimentos
alaranjados
escorrem
do por do sol

músculos
movem –se
com as ondas
essas espuma branca
que deu luz ao mundo

nas mãos
espelhos
facas e foices

Asas
rasgando a pele
não é primavera
nem fim de ano
não há água pura
por entre as mãos
nem boas novas
pelos ares

ainda assim
é indispensável
dos olhos
a insistência
em alvorecer

Toca
a pele
a pena
a pétala

Leio-te
como quem
mata a sede
como quem
sacia fome
como quem
crê
depois do breu

Asas rangam
a pele

boquiaberta
mira
das pedras
o horizonte
que toca o
mar






[Pequenas embarcações]

Deixa-me tocar as estrelas cadentes que despencam dos teus olhos.

É noite, é dia, é depois e amanhã. Os jornais vestem-se de manchetes, colunas, obituários. Alguém nasceu. Alguém morreu. Alguém disse coisas terríveis e dolorosas em algum espaço público. Haverá mais uma guerra. Cortaram o orçamente. Sumiram com as crianças. Ficamos roucos. Caçamos famintos saídas.

Desfaço meus olhos das telas. Toco cotidianidades que suspiram: crianças jogando bola, pipas, o florescimento da sempre-viva, senhoras indo ao baile. Os desenhos e gritos nos muros. Uma loja de antiguidades. A moça apertando a carta na fila do correio. Gostaria que esta estrela cadente que se jogou das suas retinas caísse em minhas mãos.

Não temo o escuro dos seus olhos. O breu é humano e é dele que se pari o céu e suas infinitudes. Gostaria só de saber se esta estrela cadente que despenca dos teus olhos é do calor da tua pele.

Evitamos movimentos mecânicos, mas, ainda sim, persistem despertadores, relatórios, ratos nos bueiros, fascistas. O tomate está mais caro. Não temos garantia de trabalho. Sem 13º. Perdemos outra irmã.

Há que se sonhar para fazer ponte sobre o abismo. É preciso pé por pé lançar-se. Corpos se esbarram. Pesos. Ângulos. Mergulhos. Arrisco tracejar teu rosto. Fazer uma moldura na ponta do dedos, guardar minúcias da pele. Onde será que mora o seu céu? Você é todo feito de estrelas? Buracos negros? Constelações? Cometas?

Deixa-me tocar as estrelas cadentes que despencam dos teus olhos






[Espreito esquinas]

De preferência as que possuam no vértice do ângulo
algum parecer de que o tempo resistiu por ali

Espreito esquinas,
mesmo as mais cotidianas
como se no trânsito
para a outra lateral do quadrado
(essa forma tão ambígua)
houvesse uma incógnita

É violento

Espreitar esquinas
é um grande risco

Há sempre o eterno perigo
de haver uma tulipa
ou mais silêncio
do outro lato

Espreito esquinas

É violento
o risco nu
do despropósito

Sedução languida
de olhar de canto
derretendo a solidez
da parede descascada
que brinca
de desenhar
casas, prédios,
cidades
devires –de – solidez

Espreito esquinas
mas só importa o ângulo.
a reta que segue ao céu
que circunscreve
a doce fantasia
dentro – fora
fora – dentro
dos castelos de cimento

Espreito esquinas

É violento

Esquinas escapam
Como escápulas

Ambas nos denunciam
Humanos, angulosos, exaustos
Denunciam o abismo
Que escorre
Por debaixo das tintas
Que atravessa
O poro do cimento
E descansa
Na diagonal do vértice

Esquinas violentam fluxos

De repente
Uma escolha
Seguir
Ou ater-se ao canto
Mudar o ramo
Ou
De rumo

Sempre o risco
De haver um encontro

É violento

Espreito esquinas
Pois elas escondem
Preciosas
A falta da falta

Pouco me importam as esquinas
 




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Mariana Queiroz, poeta matogrossense, reside atuamente em Florianópolis – SC. Escreve como forma de (re) existir.  Faz da palavra em verso e prosa linha de costura para remendar humanidades, mulheridades, amores, partidas e chegadas, labutas e lutas.

Página no facebook: https://www.facebook.com/pages/Liturgias-de-Mariposa/603024716449229?fref=ts







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