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[Do voo]
Asas
rasgando a pele
espinhos
espreguiçam
suas pontas
Pés
cheios de caminhos
feridas
lambidas
cicatrizes
descansam
Asas
rasgando a pele
cama posta
mesa estirada
palmos
apalpam
os pergaminhos
que deixam letras
cair dos teus olhos
Leio-te
como quem bebe
depois da labuta
como quem decifra
hierógrafos
como quem cava
para chegar ao outro lado
do mundo
Asas
rasgando a pele
um corpo
novo
parindo-se
da mata escura
enluzecimentos
alaranjados
escorrem
do por do sol
músculos
movem –se
com as ondas
essas espuma branca
que deu luz ao mundo
nas mãos
espelhos
facas e foices
Asas
rasgando a pele
não é primavera
nem fim de ano
não há água pura
por entre as mãos
nem boas novas
pelos ares
ainda assim
é indispensável
dos olhos
a insistência
em alvorecer
Toca
a pele
a pena
a pétala
Leio-te
como quem
mata a sede
como quem
sacia fome
como quem
crê
depois do breu
Asas rangam
a pele
boquiaberta
mira
das pedras
o horizonte
que toca o
mar
[Pequenas embarcações]
Deixa-me tocar as estrelas cadentes que despencam dos teus olhos.
É noite, é dia, é depois e amanhã. Os jornais vestem-se de manchetes, colunas, obituários. Alguém nasceu. Alguém morreu. Alguém disse coisas terríveis e dolorosas em algum espaço público. Haverá mais uma guerra. Cortaram o orçamente. Sumiram com as crianças. Ficamos roucos. Caçamos famintos saídas.
Desfaço meus olhos das telas. Toco cotidianidades que suspiram: crianças jogando bola, pipas, o florescimento da sempre-viva, senhoras indo ao baile. Os desenhos e gritos nos muros. Uma loja de antiguidades. A moça apertando a carta na fila do correio. Gostaria que esta estrela cadente que se jogou das suas retinas caísse em minhas mãos.
Não temo o escuro dos seus olhos. O breu é humano e é dele que se pari o céu e suas infinitudes. Gostaria só de saber se esta estrela cadente que despenca dos teus olhos é do calor da tua pele.
Evitamos movimentos mecânicos, mas, ainda sim, persistem despertadores, relatórios, ratos nos bueiros, fascistas. O tomate está mais caro. Não temos garantia de trabalho. Sem 13º. Perdemos outra irmã.
Há que se sonhar para fazer ponte sobre o abismo. É preciso pé por pé lançar-se. Corpos se esbarram. Pesos. Ângulos. Mergulhos. Arrisco tracejar teu rosto. Fazer uma moldura na ponta do dedos, guardar minúcias da pele. Onde será que mora o seu céu? Você é todo feito de estrelas? Buracos negros? Constelações? Cometas?
Deixa-me tocar as estrelas cadentes que despencam dos teus olhos
[Espreito esquinas]
De preferência as que possuam no vértice do ângulo
algum parecer de que o tempo resistiu por ali
algum parecer de que o tempo resistiu por ali
Espreito esquinas,
mesmo as mais cotidianas
como se no trânsito
para a outra lateral do quadrado
(essa forma tão ambígua)
houvesse uma incógnita
mesmo as mais cotidianas
como se no trânsito
para a outra lateral do quadrado
(essa forma tão ambígua)
houvesse uma incógnita
É violento
Espreitar esquinas
é um grande risco
é um grande risco
Há sempre o eterno perigo
de haver uma tulipa
ou mais silêncio
do outro lato
de haver uma tulipa
ou mais silêncio
do outro lato
Espreito esquinas
É violento
o risco nu
do despropósito
o risco nu
do despropósito
Sedução languida
de olhar de canto
derretendo a solidez
da parede descascada
que brinca
de desenhar
casas, prédios,
cidades
devires –de – solidez
de olhar de canto
derretendo a solidez
da parede descascada
que brinca
de desenhar
casas, prédios,
cidades
devires –de – solidez
Espreito esquinas
mas só importa o ângulo.
a reta que segue ao céu
que circunscreve
a doce fantasia
dentro – fora
fora – dentro
dos castelos de cimento
mas só importa o ângulo.
a reta que segue ao céu
que circunscreve
a doce fantasia
dentro – fora
fora – dentro
dos castelos de cimento
Espreito esquinas
É violento
Esquinas escapam
Como escápulas
Como escápulas
Ambas nos denunciam
Humanos, angulosos, exaustos
Denunciam o abismo
Que escorre
Por debaixo das tintas
Que atravessa
O poro do cimento
E descansa
Na diagonal do vértice
Humanos, angulosos, exaustos
Denunciam o abismo
Que escorre
Por debaixo das tintas
Que atravessa
O poro do cimento
E descansa
Na diagonal do vértice
Esquinas violentam fluxos
De repente
Uma escolha
Seguir
Ou ater-se ao canto
Mudar o ramo
Ou
De rumo
Uma escolha
Seguir
Ou ater-se ao canto
Mudar o ramo
Ou
De rumo
Sempre o risco
De haver um encontro
De haver um encontro
É violento
Espreito esquinas
Pois elas escondem
Preciosas
A falta da falta
Pois elas escondem
Preciosas
A falta da falta
Pouco me importam as esquinas
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Mariana Queiroz, poeta matogrossense, reside atuamente em Florianópolis – SC. Escreve como forma de (re) existir. Faz da palavra em verso e prosa linha de costura para remendar humanidades, mulheridades, amores, partidas e chegadas, labutas e lutas.