Setembro
Havia música. Não sei. Ouvia o som dos seus olhos, o que diziam, o que não.
Um raio impossível num céu todo de lumes abertos, lua cheia nos tornando azuis.
Sua alma no segundo entre o raio e o trovão. A minha no estrondo.
Queimei meus olhos nos seus.
Deixei meu corpo navegar no que me disse sem falar, curso desatado no tempo, silo de água, colheita do que ali respirava em nós.
Na primeira vez que amei você, nada mais havia. E nada há.
Um raio impossível num céu todo de lumes abertos, lua cheia nos tornando azuis.
Sua alma no segundo entre o raio e o trovão. A minha no estrondo.
Queimei meus olhos nos seus.
Deixei meu corpo navegar no que me disse sem falar, curso desatado no tempo, silo de água, colheita do que ali respirava em nós.
Na primeira vez que amei você, nada mais havia. E nada há.
Água
Vou buscar uma fonte, um gêiser, um jato de água de onde eu renasça. Pra ser líquida com ele e te receber, evaporar pelos teus poros e chover por dentro, até deixar de ser.
As ilhas de bruma
Este horizonte é meu. Unicamente meu. Este que fabrica ilhas em sua bruma fininha.
Este de onde emerge a lua, chispando prata e sinais de assombrações.
Este horizonte que ergue as saias para um firmamento de corais celestes.
Lava meus olhos uma estrela que não sei se ainda há e a nebulosa é criação de espectros,
de um som antigo que me invoca desde o que, um dia, em mim, foi raiz.
Eu falo com contigo é pelas veias
Se, algum dia, eu deixar de ouvir o que canta a lua cheia,
perder a cumplicidade das estrelas-do-mar.
Se me perder das minhas gaivotas de gelo,
descobrir raízes de esquecimento no meu colo.
Se, por descuido e abandono, secarem os lisianthus que cultivo nos ombros,
frutificarem línguas de frio no meu ventre,
talvez, eu deixe de ouvir também o som das tuas veias.
Na minha casa de segredos
Atado a mim esse seu vício de astronauta, viajante que me leva onde surtam as nebulosas, parindo novos sóis.
Tão distraído da própria formosura, não vê que me decompõe, invade minha casa de segredos,
Tão distraído da própria formosura, não vê que me decompõe, invade minha casa de segredos,
trespassa de vida meu coração e assombra meus medos.
Despiu-me como antes de nascida.
Seu coração é meu mago. Da sua boca o transbordo de estrelas
Seu coração é meu mago. Da sua boca o transbordo de estrelas
que dilaceram as distâncias, os estalares do tempo.
Quero seu corpo, porque sou matéria pra se fartar da vida que respira,
Quero seu corpo, porque sou matéria pra se fartar da vida que respira,
que transpira, que corre, seiva humana.
Mas é sua alma que me incandesce, seu hálito de aurora germinado em mim,
Mas é sua alma que me incandesce, seu hálito de aurora germinado em mim,
o sangue da estrela que anima o seu.
O dia amanheceu escarlate
Céu camaleão - dia escarlate.
Transforma meus sinistros em chamas de paixão e entrega.
Sábias línguas que arqueiam o fogo e acarinham as palmas.
Não há silêncio no coração. Não há calma nas cavidades da pele.
Não há silêncio no coração. Não há calma nas cavidades da pele.
Vento de agosto me envolve.
E tem a cor de uma palavra verde, que brotou das digitais de sede.
Tempo de vergar a alma
Estou num tempo de vergar a alma, esticar seus tendões, retesar o fio de que é feita. Urdidura que dói, que soluça cor entre as tramas. Estou em tempo de libertar as estrelas que juntamos. É o céu que pede. A luz delas é o que me sustenta. O canto que o vento faz no ouvido segreda um refrão desconcertado. Assoma um trespassado momento de fúria e se aloja num lugar de mim que não entendo, não conheço. É como uma saudade de um lugar que nunca vi. De alguém que nem ao menos é nascido.
Vestida de frio
Isto sou eu. Somente eu, comigo. Ninguém mais que me habite. Apenas o meu pulso quando precisa arrancar os véus.
E pulsa... pulsa numa moringa de barro, habitante do frio.
Enfiado numa gaveta do tempo, usando o disfarce de uma nuvem que se meteu ali pra descansar da chuva. Caricato das alegorias de um baile de máscaras que nunca termina.
Revirando os segredos guardados lá. Descobrindo os esquecidos, os abandonos, as chaves inúteis, pedaços de esqueletos de memórias.
Exumando cartas antigas, amareladas do dourado de poentes que soluçaram nas sombras por mais um pouco, mais um pouco.
Caleidoscópio de espelhos tortos, amarfanhando as formas, diluindo espectros.
Resinada memória. Renitente mimetismo entorpecendo as cores, assustando os matizes que não vingam, que não respiram.
Não respira o pulso. Pulsa numa moringa de barro, vestida de frio.
Enfiado numa gaveta do tempo, usando o disfarce de uma nuvem que se meteu ali pra descansar da chuva. Caricato das alegorias de um baile de máscaras que nunca termina.
Revirando os segredos guardados lá. Descobrindo os esquecidos, os abandonos, as chaves inúteis, pedaços de esqueletos de memórias.
Exumando cartas antigas, amareladas do dourado de poentes que soluçaram nas sombras por mais um pouco, mais um pouco.
Caleidoscópio de espelhos tortos, amarfanhando as formas, diluindo espectros.
Resinada memória. Renitente mimetismo entorpecendo as cores, assustando os matizes que não vingam, que não respiram.
Não respira o pulso. Pulsa numa moringa de barro, vestida de frio.
Ilustrações: Nicoletta Ceccoli
Rosa Maria Mano, nascida em São Paulo, capital, num frio e ensolarado setembro, perfumado por jasmins-do-Cabo. Faculdade de Letras interrompida. Estudando História na Universidade Estácio de Sá. Autora de Xamã, 1º livro de poemas pela Litográfica Editora – São Paulo (1984), enriquecido pela capa de Elifas Andreato, Três Marias e um Cometa, infanto-juvenil pela Companhia Editora Nacional (1986). Fruto Mulher, Coletânea de poesia pela Editora Semente – São Paulo (1983). Também contista, tendo publicado O Gato pelo D.O. Leitura, Suplemento Cultural do D.O de São Paulo – São Paulo (1987), Clara Morte de Clarice, no site Recanto das Letras, O Tigre, na Fan Page Rosa Maria Mano – Poesia. Publicando diariamente na Fan Page e na página Rosa Maria Mano – Facebook. Prêmio SESC de Poesia – 1999 – 1º lugar na edição municipal – Teresópolis, com o poema A Lua Negra. 2º lugar, na mesma edição, com o poema Recendência. Prêmio SESC de poesia – 1999 – 2º lugar na edição estadual – Rio de Janeiro, com o poema A Lua Negra. Próximos lançamentos : Vento na Saia – eBook – poesia e Somos Marias – com Maria Lorenci – eBook – contos e poesia.