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5 sentidos e mais alguns na poesia de Danielle Magalhães

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meia boca

comigo não tem essa coisa 
de que comigo não tem 
tempo ruim:
se o céu não estiver azul,
algo aqui dentro vive menos 
tempo. essa coisa de sempre ter que 
fazer acontecer me cansa 
como me cansa o que sempre
acontece é que preciso da força da falta 
de chuva caindo como um tapete
sob os meus pés. não sou de sair dançando 
com canivetes na minha cabeça,
não. essa coisa de sorrir mesmo
assim me faz ter mais preguiça 
dessa vida que desde sempre foi mais
ou menos. 
por isso, beije só um canto da minha boca,
que a outra metade é a que eu mastigo o resto.





má comida

esse gosto de terra na boca
antes do café, é o dia que desperta
pesando nos dentes:
melhor lamber o capim entre as frestas 
dos tacos que começam a engordar 
ao redor do meu corpo.
seria preciso ruminar toda uma pasta 
para ver se o flúor atuaria como limpeza 
não calórica pelas tripas enraizadas
ficando pra semente.
afinal, eu pasto sobre a mesa
não irei te servir tão facilmente:
se for para comer terra,
melhor manter aquela ardenciazinha
no final.  





natural machine

fosse eu 
uma pedra que olhasse 
os mortais pelo prisma 
da terra, minha impenetrabilidade 
sobreviveria não 
colidindo com 
dor alguma 





dor/mentes

eu e você emparelhados
em posições invertidas 
na cama, insuficiente demais para nossos 
corpos diagonalmente nus cheios de nós 
no travesseiro, seus suspiros 
ritmados de quem recebe o sono como a última 
relíquia do tempo
veloz, meu pensamento encosta em sua coxa e 
somente ele e ela sabem:
a leveza é demais
para que a sustentemos.





no limite

amor

agora vou ficar bem quietinha
o seu silêncio de pós-guerra não vai mais
me abalar os dedos foram feitos para não dar nós em
cabelos, a cereja que faltava nos meus nervos.
vou colocar o cronômetro debaixo da minha
cara de paisagem e mandar o seu tempo 
catar todas as borboletas do meu estômago que eu libertei durante 
setenta quilômetros de pedalada em círculos na Lagoa, meu rabo
pequeno porte maltês não vai mais abanar 
cada a que sai 
injetando em meu pulmão um vento 
que sopre a montanha, que faça a transubstanciação 
da letra ao verbo
se fez ar e no princípio era a carne até 
o fim vou descer de rapel a vogal A.
quem sabe, nossos relógios coincidam com o recorde de você dizer 
que está com fome
de um poema

meu





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Danielle Magalhãesé carioca e nasceu em 1990. Graduou-se em História pela UFF e atualmente conclui o mestrado em Teoria Literária na UFRJ. Já colaborou com revistas literárias como Plástico Bolha e Pittacos. 

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