meia boca
comigo não tem essa coisa
de que comigo não tem
tempo ruim:
se o céu não estiver azul,
algo aqui dentro vive menos
tempo. essa coisa de sempre ter que
fazer acontecer me cansa
como me cansa o que sempre
acontece é que preciso da força da falta
de chuva caindo como um tapete
sob os meus pés. não sou de sair dançando
com canivetes na minha cabeça,
não. essa coisa de sorrir mesmo
assim me faz ter mais preguiça
dessa vida que desde sempre foi mais
ou menos.
por isso, beije só um canto da minha boca,
que a outra metade é a que eu mastigo o resto.
má comida
esse gosto de terra na boca
antes do café, é o dia que desperta
pesando nos dentes:
melhor lamber o capim entre as frestas
dos tacos que começam a engordar
ao redor do meu corpo.
seria preciso ruminar toda uma pasta
para ver se o flúor atuaria como limpeza
não calórica pelas tripas enraizadas
ficando pra semente.
afinal, eu pasto sobre a mesa
não irei te servir tão facilmente:
se for para comer terra,
melhor manter aquela ardenciazinha
no final.
natural machine
fosse eu
uma pedra que olhasse
os mortais pelo prisma
da terra, minha impenetrabilidade
sobreviveria não
colidindo com
dor alguma
dor/mentes
eu e você emparelhados
em posições invertidas
em posições invertidas
na cama, insuficiente demais para nossos
corpos diagonalmente nus cheios de nós
no travesseiro, seus suspiros
ritmados de quem recebe o sono como a última
relíquia do tempo
veloz, meu pensamento encosta em sua coxa e
veloz, meu pensamento encosta em sua coxa e
somente ele e ela sabem:
a leveza é demais
para que a sustentemos.
a leveza é demais
para que a sustentemos.
no limite
amor
agora vou ficar bem quietinha
o seu silêncio de pós-guerra não vai mais
me abalar os dedos foram feitos para não dar nós em
cabelos, a cereja que faltava nos meus nervos.
vou colocar o cronômetro debaixo da minha
cara de paisagem e mandar o seu tempo
catar todas as borboletas do meu estômago que eu libertei durante
setenta quilômetros de pedalada em círculos na Lagoa, meu rabo
pequeno porte maltês não vai mais abanar
cada a que sai
injetando em meu pulmão um vento
que sopre a montanha, que faça a transubstanciação
da letra ao verbo
se fez ar e no princípio era a carne até
o fim vou descer de rapel a vogal A.
quem sabe, nossos relógios coincidam com o recorde de você dizer
que está com fome
de um poema
meu
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Danielle Magalhãesé carioca e nasceu em 1990. Graduou-se em História pela UFF e atualmente conclui o mestrado em Teoria Literária na UFRJ. Já colaborou com revistas literárias como Plástico Bolha e Pittacos.