I
há uma beleza em katmandu
pura, encefálica,
linda e apartada do mundo,
II
sim,
katmandu não é longe daqui
fica a alguns lances apenas
do abismo que trazes de si
há algo à espera ou não ali
que desanda pari passu
com o que há de vir
algo que pode ferir, matar
algo que pode cobrir, cuidar
katmandu não é longe daqui
III
os ventos de lá são adolescentes
por isso, tudo o que ela me oferece
em sua ilusória juventude é espaçado
porque para ela o tempo é infinito
e o resto pode ser deixado para depois de amanhã
não há urgência em seus movimentos
não há limbo em seus olhos
se há alguma pressa, é pressa íntima, cardíaca e ventral
quem acessa os seus passos não ousa acordá-la fora de hora
flerta e passeia com ela como um voyeur de mãos atadas
de olho numa cena que acene:
a vida é agora
IV
há mares e asfaltos em katmandu
V
os dados caem em katmandu
não se sabe de onde,
semeiam acasos à flor dos poros,
traspassam a vida das mãos por trás dos jogos,
inventam lábios esporas,
redigitam coisas em palavras de argila
para fotografar o rosto perdido
beijar os lábios mudos
embebedar o ventre seco
VI
No ímpeto dessa busca
busco desavergonhar-me
envergando a coluna dorsal,
fixando as pupilas no ponto
central dos teus olhos
para enrijecer tua nuca
com punho esquerdo cerrado
beijando-te a contragosto
até que gostes
para vencer o medo do mundo
te oferecendo em espécie
meu todo exposto
VII
VIII
para além de
– à beira da morte por excesso de vida –
há uma espreita vampira
vontade contida
que foge da vida afora
que concebe o próprio muro
e guarda dentro
uma voraz especiaria
IX
a besta insone hesita
não lhe bastam os batimentos sem pressa
do outro lado que se afirma
onde a criança de província
vestida de nudez cosmopolita
dança em busca do ômega das esferas
dos porres, das ressacas
se avizinha, cerca, lança a isca
mas nunca se aconchega
X
ela fica com a palavra que escoa
com a réplica esmaecida na retina
com flores e fezes nas narinas
com desejos onívoros de papilas
cultivados todos em banho maria
XI
ela está lá, presa, enquanto aqui, do outro lado do mundo expira o prazo de validade
XII
se o mundo se prestasse
aos meus desmandos
katmandu desfaleceria
como as torres gêmeas
como a biblioteca de alexandria
nos confins dos teus recantos
XIII
¿Se o futuro é algo que não existe
que manhãs são essas
que componho de véspera
e nas quais o sol persiste?
XIV
no final, quando tudo se desdobra
e o que ficou pra trás é mais largo
do que aquilo que nos sobra,
convém ficar do lado de fora ao fechar a porta,
porque o infinito está no que já foi embora
e o que nos resta é a perna de uma letra cá
no verso de um poema que desponta agora
XV
encontro
encanto
e
pronto
um pranto
XVI
as mãos em concha como apoio
a um palmo do nariz
katmandu tão longe agora
quatro lábios por um triz
XVII
o que foi pedido e não roubado
o que foi dito ou interdito
1º posfácio
o mundo pesava como nunca sobre a nuca,
chega de ternuras metafísicas,
de palavras metafóricas,
o querer, de agora em diante,
há uma beleza em katmandu
pura, encefálica,
linda e apartada do mundo,
ora vestida de província
– cabelos castanhos –
na placidez de calmarias
ora nua e cosmopolita
– cabelos vermelhos –
na correria dos riscos.
– cabelos castanhos –
na placidez de calmarias
ora nua e cosmopolita
– cabelos vermelhos –
na correria dos riscos.
infernos e nirvanas revezam-se
na sua companhia
a seu redor há tortos
olhos masculinos
trôpegos, tropeçantes,
desengonçando a graça
desse encontro
na sua companhia
a seu redor há tortos
olhos masculinos
trôpegos, tropeçantes,
desengonçando a graça
desse encontro
II
sim,
katmandu não é longe daqui
fica a alguns lances apenas
do abismo que trazes de si
há algo à espera ou não ali
que desanda pari passu
com o que há de vir
algo que pode ferir, matar
algo que pode cobrir, cuidar
katmandu não é longe daqui
III
os ventos de lá são adolescentes
por isso, tudo o que ela me oferece
em sua ilusória juventude é espaçado
porque para ela o tempo é infinito
e o resto pode ser deixado para depois de amanhã
não há urgência em seus movimentos
não há limbo em seus olhos
se há alguma pressa, é pressa íntima, cardíaca e ventral
quem acessa os seus passos não ousa acordá-la fora de hora
flerta e passeia com ela como um voyeur de mãos atadas
de olho numa cena que acene:
a vida é agora
IV
há mares e asfaltos em katmandu
de belezas rastejantes
e dentre todas, uma
à espera da bota que a esmague
ou do prego que a pendure fixa
escolhida sem escolha
abusada sem apreço
prisioneira de si mesma
de sua sorte
que lhe parece dádiva de sofrimento
e dentre todas, uma
à espera da bota que a esmague
ou do prego que a pendure fixa
escolhida sem escolha
abusada sem apreço
prisioneira de si mesma
de sua sorte
que lhe parece dádiva de sofrimento
sonha a própria face plena de grotesco
crava as unhas no rosto enquanto se desfigura
gargalha na garganta o temor do nome
de quem não se apressa
apesar do tempo que escasseia
crava as unhas no rosto enquanto se desfigura
gargalha na garganta o temor do nome
de quem não se apressa
apesar do tempo que escasseia
V
os dados caem em katmandu
não se sabe de onde,
semeiam acasos à flor dos poros,
traspassam a vida das mãos por trás dos jogos,
inventam lábios esporas,
redigitam coisas em palavras de argila
para fotografar o rosto perdido
beijar os lábios mudos
embebedar o ventre seco
dados lançados não tem dono
mas a pele semeada
e seus espaços franqueados
são a possessão dos que a esmagam como barata
dos que a penduram na parede
vitrine ou tela de computador
mas a pele semeada
e seus espaços franqueados
são a possessão dos que a esmagam como barata
dos que a penduram na parede
vitrine ou tela de computador
borboleta em alfinete
VI
No ímpeto dessa busca
busco desavergonhar-me
envergando a coluna dorsal,
fixando as pupilas no ponto
central dos teus olhos
para enrijecer tua nuca
com punho esquerdo cerrado
beijando-te a contragosto
até que gostes
para vencer o medo do mundo
te oferecendo em espécie
meu todo exposto
VII
em katmandu há
um mundo
do tamanho do A
tartamudeando,
pra cá e pra lá,
como quem anda e passa
tamanduá
alguém de lisos cabelos fugidios
cor de crepúsculo e carmim
há de passar bem aqui
como língua no formigueiro
um mundo
do tamanho do A
tartamudeando,
pra cá e pra lá,
como quem anda e passa
tamanduá
alguém de lisos cabelos fugidios
cor de crepúsculo e carmim
há de passar bem aqui
como língua no formigueiro
VIII
para além de
– à beira da morte por excesso de vida –
há uma espreita vampira
vontade contida
que foge da vida afora
que concebe o próprio muro
e guarda dentro
uma voraz especiaria
que amacia rios no pescoço
arquitetando a veia fina
em noite neblinada e fria
arquitetando a veia fina
em noite neblinada e fria
IX
a besta insone hesita
não lhe bastam os batimentos sem pressa
do outro lado que se afirma
onde a criança de província
vestida de nudez cosmopolita
dança em busca do ômega das esferas
dos porres, das ressacas
se avizinha, cerca, lança a isca
mas nunca se aconchega
X
ela fica com a palavra que escoa
com a réplica esmaecida na retina
com flores e fezes nas narinas
com desejos onívoros de papilas
cultivados todos em banho maria
e embora diga preferir a dor ao amor
mal reconhece este ou aquela
mal sabe sua ínfima diferença
sua ligação siamesa.
mal reconhece este ou aquela
mal sabe sua ínfima diferença
sua ligação siamesa.
de todos os plenos sentidos
aquele mais afeito à vida
é o que ela mais evita
porque talvez no fundo saiba
que só o tato de fato desfere,
abrindo um cancro que não cicatriza.
aquele mais afeito à vida
é o que ela mais evita
porque talvez no fundo saiba
que só o tato de fato desfere,
abrindo um cancro que não cicatriza.
XI
ela está lá, presa, enquanto aqui, do outro lado do mundo expira o prazo de validade
XII
se o mundo se prestasse
aos meus desmandos
katmandu desfaleceria
como as torres gêmeas
como a biblioteca de alexandria
nos confins dos teus recantos
abduzido o mundo,
eu, como personagem de mim mesmo,
trocaria com você
quase sem palavra
poucas e indeléveis entrelinhas
cuidaria da textura do tutano da sua medula
como se você mesma eu fosse
na esquerda mão que te masturba
eu, como personagem de mim mesmo,
trocaria com você
quase sem palavra
poucas e indeléveis entrelinhas
cuidaria da textura do tutano da sua medula
como se você mesma eu fosse
na esquerda mão que te masturba
XIII
¿Se o futuro é algo que não existe
que manhãs são essas
que componho de véspera
e nas quais o sol persiste?
XIV
no final, quando tudo se desdobra
e o que ficou pra trás é mais largo
do que aquilo que nos sobra,
convém ficar do lado de fora ao fechar a porta,
porque o infinito está no que já foi embora
e o que nos resta é a perna de uma letra cá
no verso de um poema que desponta agora
XV
encontro
encanto
e
pronto
um pranto
XVI
as mãos em concha como apoio
a um palmo do nariz
katmandu tão longe agora
quatro lábios por um triz
XVII
o que foi pedido e não roubado
o que foi dito ou interdito
o que não foi permitido
o que não foi esmiuçado
até largar-se à míngua
até tocar o teto
até beirar o chão
até inchar a íngua
destinos sem acaso são em vão
o que não foi esmiuçado
até largar-se à míngua
até tocar o teto
até beirar o chão
até inchar a íngua
destinos sem acaso são em vão
1º posfácio
o mundo pesava como nunca sobre a nuca,
chega de ternuras metafísicas,
de palavras metafóricas,
o querer, de agora em diante,
espera a carne viva.
2º posfácio
ah! quantos agoras jogados fora...