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Como sobreviver à um ataque de begônias e outras histórias - Marcelo De Angelis

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Como sobreviver à um ataque de begônias



Considere a corrupção das horas,
quando e se possível, sem se deixar
abater pela ressaca dos vaga lumes.

Sele a epiderme púrpura das palavras.
Uma a uma, todas as ilusões se confirmam.

Observe vigilância sobre os substantivos.
O teu silêncio antigo provoca estrondos
na primavera.

Pondere o consenso interno das desavenças.
Aqui o barulho de existir se derrama
como sussurros na intimidade da noite.

A despeito do pânico cínico dos cães,
aceite a cobiça do tempo e atente
para o breve hiato entre o deslize do raio
e o longo e aveludado queixume do trovão.

Modere a refeição de carcomidas crenças,
como se o próprio espírito reinasse
sobre a indecisa carne do tempo.

Dê a César o que é de Deus. 
Dê adeus ao que é dos dois.

Anoiteça.








5 coisas que os astronautas não conseguem fazer no espaço


Adiar o prenúncio do dia.
Deferir as insistências do acaso.

Reinventar as hierarquias próprias
das tempestades de areia.

Recalcular o número de Deus
e colocar-se acima da soma.

Umedecer o mormaço da eternidade.

Diferenciar, um do outro,
os 9 tipos de silêncio.

Dançar um tango de rosto colado.

Tatear a cordura das galáxias,
ali onde mais se afigura a falácia
de não ser,de nunca ter sido,
a um só tempo, princípio e fim.

Furtar-se às alegorias da senilidade.

Mentir para seu deus.


Renegar a melancolia dos suicidas.

Apoderar-se da imaginação dos anjos.
Chorar.






8 coisas que você pode fazer com seu smartphone e não sabia


Refocilar anjos na madrugada.

Raciocinar a transparência das sombras.

Preencher o vazio das gentilezas.

Abater machados.

Trinar fidalguias.

Cinzelar inocências proibidas.
Acolher o ímpeto da pedra
e ouvir o rio passar.

Inaugurar esperanças.

Socorrer embaraços.

Ignorar a impaciência das buzinas
no fim da tarde.

Confidenciar alvitres à vagina mais próxima.

Desimportar-se com o número
exato das coisas.Recuar duas casas
e reconhecer o âmago delas.

Sincopar versos alexandrinos.
De preferência, ao abrir do alçapão.





  
O que acontece se você dormir diariamente 
com cebolas nos seus pés


Estrelas porejam a noite de metáforas.

Uma voz atormentada alivia-se no bater
dos ponteiros do relógio

porém,

o musgo da posteridade não se rende
fácil à urina do céu ou ao fraterno estrume
da pobreza.

O suor mulato do verbo remete à fina
astúcia dos templos gregos nas necrópoles.
Sob o amparo da saliva, nacos de silêncio
mastigados a esmo comprovam:

             a madrugada encrespa terremotos
             no interior dos formigueiros.






7 maneiras de esquecer um amor rapidamente


Cada coisa tem na vida uma dívida,
uma dúvida e um afeto.

As de menor carência de adjetivos
são as que maior silêncio de formas.
Nelas, as urgências de existir se ajeitam
sem receio dos besouros da vaidade.

Já aquelas sem qualquer objetivo
que não seja o encanto sincero
e aritmético de romper quimeras,
melhor se prestam a compartilhar
corizas e traquinagens.

A utopia de um rio, por exemplo,
que se traduz em peixes abduzidos
em tardes úmidas de desesprezo.
O amor é uma saudade que esvanece
entre o aroma de um campo de papoulas
e as fezes de um pássaro faminto.

Em casos assim, de utopias sentimentais
cercadas de volúpia e sofreguidão,
penetrar sorrateiramente na madrugada
das palavras é de bom tom.

A dor e a candura das palavras:
– o amor é mesquinho
e prefere entrelaçar opostos.

Convém também desfazer o estribilho
de antigas manhãs recobertas pelo limo
palpitante da embriaguez.

Recomenda-se ainda relaxar e esquecer
os nomes de batismo de nuvens mais remotas.

Abrir os braços para o nada,
esse suspiro de Deus,colher o dia

e trazer a chave.



Ilustrações: Gilad Benari




Marcelo De Angelis é natural de Porto Alegre  e formado em Comunicação Social pela UFRGS. Participou das antologias Fantasma Civil e 29 de Abril.  Tem poemas publicados no jornal Relevo e nos sites  Mallamargens e Germina. Vive atualmente em Curitiba.

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