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6 POEMAS DE LUDMILA OZE

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ANALLÓGICA



Sou tão grande que não caibo em mim
E tudo que me vaza é porque não me coube
O de fora é a minha própria substância
Meus fantasmas eu mesma criei
E eles existem e me borram
Pois são a sobra que se agarra em mim
Mesmo que não os conceba
Sinto seu odor
Ainda que nada neles possa me exaurir
Já que nenhuma obra devora o criador
E a boca não mastiga os dentes
O mundo é meu aparelho excretor
Por isso meu cu é redentor
De tudo que desejo e tudo que abomino
Concebo regras para eliminar meu tédio
Inverto criação e criatura
Olho e cu
Boca e dentes
Transbordamento e recipiente
De arquiteta viro arquitetura
Me invento como mero evento
Digo que fui parida pelo mundo
Que sou como folha ao vento
Que do pó eu vim e para o pó irei
Sou súdita de toda merda que criei
Busco a conciliação impossível
Da existência imponderável
E do meu vazamento permanente
Para tal inventei o medo
Que possibilita me separar mim
Medo do que sobra
Como a verdade objetiva
Da minha existência imanente
Criei à metafísica
Para dar ordem ao excludente
Dei todo poder ao que entornou da minha substância
Imploro a dejetos, a eventos que saíram do meu reto
Que me criem e me completem
( inventei o vazio transbordante)
O homem é feito de barro
Diz a verdade anunciante
Do criador deste universo excretante
Sim, todo sujeito
Objeto e espaço circundante
É feito de barro
Do barro que derramei
Tudo em mim que sobra
É o mundo que criei
Para retornar ao meu reto
Ferindo-me de excessos
E transbordar nos meus olhos
Como lágrimas que devolvo a ti
Ao mundo
Ao criador
Ao universo
Que derramei
E me derramou
Sou a lágrima que me chorou




EsCUtológico

 


Comeu o prato que cuspiu
Cuspiu o que comeu no prato
No prato, cuspiu e comeu
Comeu cuspe no prato
Cuspiu o prato que comeu
Comeu e cuspiu o prato
O prato cuspido no prato que comeu
Come cuspe e comeu no prato
Prato cospe comida
Cuspiu e comeu o prato cuspido
Comeu comida no prato e cuspiu
Comida no prato que cuspiu
Cuspiu no cu e o comeu no prato
Comeu o prato no cu cuspido
Comeu o cu no prato e cuspiu
Cuspiu o cu no prato que comeu
No prato comeu cuspe do cu
Cu comido no prato cospe
Cuspiu no prato que comeu com o cu
Comeu no prato e cuspiu o cu na comida
Cuspiu o prato no cu e comeu com cuspe
No cu comeu o prato cuspido




MANIFESTO



Sejamos
Cínicos
Sísmicos
Similares
Cistos
Síncopes
Sejamos sem ser
Eu, tu, vós, você
Sejamos por um lapso 
Um colapso
De relapso
Sejamos pureza e cagaço
O que nunca poderemos ser
Sejamos desrespeito
Predicado, sujeito
Sejamos sem jeito
Sujos, suspeitos
Sejamos sozinhos
Cada um distante
Errante
Farsante
Se já fomos
Seremos serenos
Sujeitando-nos
Assuntando nosso ser
Só sejamos humanos
Já sei...Leva anos! 
Mas sejamos atemporais
Amorais
Animais
Sejamos um pouco e ainda mais
Muito de sempre e nada jamais
Sejamos um ao outro
Outro ao um
Sejamos a sorte
O norte
A própria morte do ser
Os fracos mais fortes
Seja eu
Sejas tu
Seja você
Só seja
Só um pouco
Para que eu possa ser
Seja carne
Seja letra
Legível
Acessível
Sejas incrível
Toda vez que eu te querer
Seja sempre
Só porque 
Tenho medo do teu ser
Mas sou um pouquinho mais
De tudo que você já pode ver
Parte
Fração
Pedaço
Para sermos caleidoscópios de sujeitos
Montemo-nos no bem querer
Se somos sem lógica 
Egoístas
Somos para nos satisfazer
Se somamos 
Subtraindo que somos
Suplicamos sedentos
Alguma verdade
Se nada sabemos
Sobrevivemos
Sendo sem ser




PLUTÃO NA NOSSA CABEÇA



Meu eu

É éter
Homônimo
Hormônio
Eu hetero
Sou Homo
Heterônimo
Meu eterno
Binômio
Sonho
Sem pré-fixos
Sem pré nada
Emprenhada
De nada
De tudo
Conteúdo
Com tu mudo
Contudo
Conto tudo
De mérito
Demérito
Demente
De mente
Aberta
Meu eu
Comum mente
Mente comum
Contundente
Incompreensível mente
Compreendo meu 
Universo 
Inversamente
Nós éter humanamente




CIRCULA DORES


Ciclosmetricosretrogrados
Amorexistiumdia
Numdiaciclico
Nossosafetosmetricos
Tornaramoamoretrogrado
Confusosãomeusentidos
Confusãonamenteciclica
Valore(se)xistem
Sãoretrogradosdoquefui
Sãosaudososdoquequis
Acreditarquejasenti
Porquesabiaoqueramar
Seoamoreociclo
Querorecomeçarsemetrica
Semconceitualconsensual
Semsersosentidosentindosentidassim




MUIRAQUITÃ



\Batráquio \
\Respiração\
\Cutânea\
\Respiração \
\Batraquiônica\

\Insólito \
\Insosso\
\Sabor \
\Da mosca \
\Na mosca!\

\Batráquio\
\ Respiração \
\Insossa \
\Emoção\
\Respiração \
\Ofegante\
\Respiração \
\Contestante\
\Batráquio!\
\Comensal \
\Com horário \
\Com diário\
\Com anos \
\Com ânus\
\Come junto\
\ Com sal \
\Respiração\
\cutânea \
\Com sal \
\Sufocante \
\Matou \
Batráquio...




Imagem: arte de Adam Parker Smith.



*    *    *




Ludmila H. R. Santos, conhecida também como Ludmila Oze é pesquisadora, junto ao Programa de Doutorado da Unicamp, interventora urbana e poetisa. O blog liliubliu contém o seu trabalho completo. Email para contato.













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