ENCICLOPÉDIA DO CAOS
longe de vista | corte divino |
Não sou um sujeito a ser catalogado em aprisco. O anseio do bestialmente correto não me traduz. Como pharmakon sou cura e veneno. Os loucos têm laços de sangue comigo. | A lapiseira dos exegetas não pesca o esplendor das palavras. Na costura da linguagem as mãos dos poetas são consagradas para o lúcido ofício do sagrado. As divindades repelem tudo que não tem alma. |
infinitas terras | noites claras |
Quando ainda éramos ágrafos a vida assinava os glóbulos da ilógica. O espaço anda entediado com as finitas crises da matéria. A intimidade da aura cobiça a transcendência do zero. Quem no escuro de uma terra calada se despe - aprecia a fineza do sagrado. | Livros são bálsamos no deserto. Estrelas amasiam-se com o verbo verdades de deuses inflamam nuvens. A madrugada é amiga das palavras aurora a escatologia dos poetas. |
conformismo e resistência | diário de um errante |
A fealdade dos homens me chama à realidade. A infância da mudança escava o véu do afastamento. O corpo pensa a diferença. Preparo uma mesa com pão e vinho os convivas Mozart e Rimbaud. Sem nomear astros, dançam em cima das verdades caídas. Festejando a ordem e o caos somos cabeça e delírio. | A pátria de um nômade é um poço sem fundo um bronze demente num horto lavrado. No oposto do espelho a aragem do selvagem rasga em faca a engenharia de átomos modernos. Não aceitando o Estado qual cartilha sua alma nina a flor que faz amor e se abisma fora d’água. |
oráculo do deserto | arte de mudar |
O avatar do tempo minérios póstumos no escuro. Redes no zênite da procura caçam o peixe do nada. Paciência com a inércia. Adivinhos em borra de café. Fortunas lançadas ao acaso. | A cidade deságua solidão. Felicidade transgênica em utilidades de hipermercado magnólias são plastificadas. Uma pílula vermelha tem forma de catarse - reinvenção do labirinto e do espaço. Em asas de anjos - um passante cola em sangue e mimese uma tarde no inacabável. A alma de um artista tem partituras de lâmpadas. |
desconformidade | extracontemporâneo |
No aperto do apartamento a mecânica da ordem segrega ambiguidades de uma pátria falida. Despindo a amada de sol aceito o caos e suas ilhas. | Muitos são os desertos e o caos a caminho. O nômade bate à porta decadência de um mundo diminuto. Em mal-estar a existência transpira uma máxima monástica: memento mori (lembra que morrerás). |
CÍCERO LEILTON (TITO LEITE) - Nasceu em Aurora, Ceará, 1980. É monge beneditino em Olinda/PE. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010), atuou como professor da disciplina. |