Hora magra
1
A vista pálida
de uma dúbia natura que resvala
nos córregos de pedras silenciosas
e o silêncio de cada coisa viva,
tangível, preso ao rabo do Azulado,
repensa o fruto plástico das horas.
Nas asas da vogal o verbo líquido
jamais pronunciado e de erudito
corpo, galho inerte e vento,
retumba no jardim que se esboroa.
A rosa amarga, preta, rejubila
a torre de folhagens esquecidas.
O rasgo de dois versos num espinho.
2
No espaço entre duas asas o anelo
De ornar com seixos de ócio estas veredas
Vales hirtos de espelhos retorcidos
refletindo o mar alto entre seus rotos
caules de vidro. Rezas junto ao cume
De ferro arroxeado, dia findo,
o magnético orvalho do suspiro,
o branco sobre o plano iridescente,
alma e plano, cerúleo patrimônio,
no faro insone do ocaso.
3
A flora quebra e escoa em pranto de ônix
sujando o véu turquesa pincelado.
Relva do azul, terreno amorfo. Eis
a lâmina de sangue ensimesmada
cortando em som opaco estas veredas
incolores do espaço, tudo é negro.
4
A voz plúmbea da rosa destruída,
que a chamam: letra cinza, vulcão débil.
Ecoa pelo vale e então se funde
ao olor que da terra exposta brota
Ungido no vermelho da consoante,
e como gema insurge, ametista
do dia, dissolvendo a noite em pétala.
Que, no ar, a treva imensa sobre os poros
da quietude cedendo ao próprio peso,
Se não salva o silêncio, salva a ti,
Que em mim redoura o verso morto.
E aqui, teu rosto em cor, aberto à rosa
descobre-me na condição de luz.
Poema
Entre o suspense do silvo
e a consumação do bote
há um mar de vértices
bordando a sede de tudo.
Vivemos sob um céu de nácar,
e a ponte diamantada da palavra
com um traço de turva sílaba
nos leva da penumbra
à garganta de um bardo.
Pouco há que a língua conte
de fruto e cinzas
aos que escolhem não ouvir.
Miniode a estes: vozes, voláteis.
Quando presto caminho
entre hortas de esmeralda e ferro
entes de toda uma vida,
cerram-me os passos e vão.
Estes que me falam de teus olhos brancos
Estes que me falam de tua carnadura macia,
Levam na espádua um novelo
De tempo
espaçado entre teus membros
de cristal sanguíneo.
E horas há que o verde se desprende do limbo
antevendo a madureza da queda,
correndo entre teus dentes de água
e em teu sorriso, torso de cisne,
relembra os gomos de céu e sonho matutino.
Entes de toda uma vida.
e esta porção de choro, lida
sobra a copo lodosa
de um dedo lunar.
Há ali um parado excelente
reduzindo a vozes
a estrada perecível
de areia batida e coro de treva.
Há sementes de corpo
na flor cinza amara
Germinando rios de queratina.
E há na mão que expulsa
O cordão que dilata inda úmido
de susto. Veste o cílio
dos que de esguelha observam
e vazado se elide
com um maço ígneo de pensamento
a ver pedaços de aurora.
Querida:
Nesta janela escura de flor
o músculo do sono distendido
Teu parapeito leve de luz
me arqueja como na despensa
farta de neve, como na calçada
morta de dentes, como na surdina
surdo, mugindo.
Ouvia a cor de nódoa legível
de fruta qualquer e em qualquer
canto. Cor de gente pelo vidro
dos olhos, algo de verde nos teus olhos.
Foges de mim como a tarde foge
do horizonte que enegrece. E se
te encontro, meu amor, é o resto
de sorriso que me deste, não obstante
belo e da beleza à Rilke. Tarde que cai,
vidro de íris. Teu branco cor de ausência
me conversa no espaço, cor de azedo,
e a tenho aqui, ausente, no meu quando.
Matilde passou no obelisco.
Olhava o bruto clarão
do oceano nas longarinas
de beira-parágrafo,
olhava o coalho de miçangas
no extremo céu ensimesmado.
O carmesim dançada a
pedido do pêndulo aquático.
Matilde lambia o pincel canoro,
linguagens escarlates.
Matilde salivava o recorte inteiro
(continha o engenho em linha)
cobria o botão embutido súber:
a imperatriz alaranjada.
Matilde aliterava violenta
Esperava a voz-marfim tonta
de tez e vidro, Matilde atenta
era negra orixada beiçuda
colou tempero no azul-película
da sombra que passava
passarinho enfezado.
O dia acorda e lampeja
em Matilde.
pó, estampa Virgo
na fuselagem da carne.
Sê
A Adriano Espínola
Nesta orla de águas e de barros
a geometria se ergue como praia
infinita, num mármore arenoso,
onde a sombra do vento tange a face.
No horizonte um colar de céu e terra
sufoca o canto de algas inocentes.
O sonho como um sol, safira e sal,
galeras passam, dor e a maresia
que enxuga a tinta acre do silêncio,
sorriso leve, exclamação de onda,
ou mesmo a amada rubra de olho verde.
SÊ como na tua infância: indiferente.
E lembra o gosto d'água, a dor no barro,
o sonho como um sol, a cor da amada.
* * *
Heitor de Lima, 20 anos, estudante. Crê no monólogo do homo e que devemos peregrinar descalços. E os pés somando as tribos que somos, polindo a crosta de vozes do espaço, devolvem-nos o mais gasto couro: colóquio. Pensa que o nicho do poeta não é divino: sua voz é parte de um plano extenso, magnético e, principalmente, humano. Grato, poesia.