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6 poemas de Ubirathan do Brasil

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Ilustração: pullingcamdy


Vim te ver ou To 


sei que o dia esta sem vento e alegoria

os pardais estão desaparecidos nesse céu sem deus

tô bebendo o mês passado todo hoje

você nunca mais perguntou que roupa irá vestir
ou que os ingressos do grupo de forró 
[que eu nunca soube dançar
já estavam comprados prum Sesc da cidade

tô querendo te rever pra tentar esquecer essa joça toda
esvaziar cabides do seu guarda-roupa das Casas Bahia
que eu colaborei com as três últimas parcelas

sei que essa noite
minha felicidade estará morta
a saudade vai vir espancar
minha saúde e algum camarada vai me trazer
uma triste notícia pra navalhar minha carne

tô com a cara da derrota
uma escrava nigeriana procurando pepitas de ouro num paiol sem esperança
um ex-viciado evangélico
desesperado pra beijar a mão de jesus

sua família ainda se queixa
do dia em que você e eu saímos na mão por besteira
seu tio com um tresoitão
batendo na janela da casa errada, seu ex-marido 
querendo te batizar na pentecostal
os cachorros latindo há quatro quarteirões de distância 
sacando minha presença

quero seus dedos massageando meus pés entupidos de joanetes e gota
minhas mãos de formula 1 derrapando em suas curvas em dias de chuva
você chupando as uvas, as jabuticabas e meus cocos, minhas duas bolas
na velocidade de um domingo 

fiquei sabendo que você tá emparelhada com um tenente de meia tigela,
o barraco tem um pomar cheio de ponkans, parreiras, cajazeiras e o caralho a quatro
piscina e jacuzzi

sua família inteira tá procurando meu novo endereço, querem que eu suma do mapa
tão oferecendo uma grana e armando uma tocaia das brava

vou escrevendo e sacrificando amores desabados
te amando pegando fogo

avisa a patota
que estou com um poema troncho e cheio de brisa engatilhado
trinta litros de caipirinha de limão
e seu nome tá rindo dentro da minha boca 
avisa...
que tô armado até os dentes.



A Gaiola da Liberdade

                                       
desenhei pássaros no papel-jornal de terça-feira que estava sobre a mesa
os gatos em riba da calha penteavam seus antenados bigodes
salivavam e espiavam as plumas pintadas

a fauna sai do meu punho canhoto

curiós seresteiros,
pintassilgos traficando maxixes sem rumo
araçaris narcisistas piando cirandas
nos coqueiros sabiás solares plainando no cu fresco da terra

meu coração está cercado de ipês
e ainda é março
eu rezo pra você
com vinho e flores
te respeito como um pássaro respeita um gato

desengaiolo os filhotes de tangará-dançarino
e rabisco santos pássaros
aparo a grama, ronca o céu
revoada de pássaros
ronronam os gatos

gatos domésticos transam com pássaros silvestres
pássaros migratórios transam com gatos urbanos
 
felinos felizes não tocam clarinetes
sozinho eu gozo na ventania

na gaiola da liberdade pássaros disparam forrós e blues
eu gozo na brisa do quintal entre o chão
e as miúdas lágrimas do sul



cinza dançante


a tristeza é suja e encardida
mesmo em dias de chuva
dias sem capas, umbrellas quebradas
toldos ou sombrinhas
pingos que caem tristes
sem tintas
trêbados
transparentes
escorrendo pelo guarda-sol
quantas gotas bebi em teus temporais de plutônio
quantas vezes me vi em preto e branco
feito um Chaplin dançando valsas mortas
boleros infelizes e tangos profanos?
só me resta apenas eu
sozinho e mentecapto
energúmeno e circuncisfláutico
bailando melancólico
debaixo do dilúvio, no umbigo da nuvem
atrás de pássaros castanhos e estranhos guarda-chuvas perdidos



Ilustração: pullingcamdy


agulha quebrada, sem rotação


te vejo toda tarde balbuciando tango argentino. eu conheço bem as paredes da sua casa. o gemido russo-arcaico.
você ainda rega as plantas do vaso de cerâmica?

tenho lido Mutarelli pra lembrar da sua língua cósmica caindo como meteorito no céu antropofágico da minha boca.

ainda guardo com anseio o disco de 78 rotações do Belchior, quando você fraturou minha calma naquela velha lanchonete, o olhar cruzando minhas paralelas. aquela noite bebemos e suamos latino-americanamente quente.

lembro das águas
sua baba sustentando meu balanço hídrico.

essa semana replantei os antúrios e colhi as malaguetas, faltaram seus assovios de mantra enquanto eu encardia as botas no viveiro de mudas. sempre faltam os absurdos dedos massageando minha clavícula, os braços de edredons nesse frio do interior.

desejo a morte asfixiado pelas virilhas semi-depiladas
escutando Arrigo Barnabé, Itamar,
Waly, Melodia ou Macalé.
quero borrar os dentes de vinho vagabundo e endoidecer minha libido sem luz, berrar num cinema mudo e tingir os marsupiais da tasmânia, vou  pintar os azulejos de minh'alma trincada e rachar as vidraças das suas janelas sem verão. 



triturando correspondência


revoada de monarcas verdes saindo do fundo dos teus círculos
lembro de você dançando Caymmi na horta entre manjericões e arrudas,
tenho rasgado teus pedaços e cartas que você confeccionava encharcada de conhaque

hoje é o nosso último sábado
minha avó esta na sala dedilhando piano
te fraciono com uma tramontina
parte por parte,
as crianças colhem cravos

tem pôr do sol e água fresca do poço artesiano
eu escuto Stravinski
cubro teus fragmentos:
substrato, húmus
terra vegetal

você é bromélia nativa em meus vasos de xaxins.



 Hectare Cinza


colhi flores em pencas! quanto pudor na sua bocetinha mimada. descascaria alqueires de bananais pra lamber teus vasos sanguíneos e teu bueiro. fiz buquê com orquídeas secas, bigodinho com teus pubianos. morri algumas vezes pelo teu cu. ainda ando no cio.
 - sou um deus torpe! minha anja-puta, ria.

prometo não mandar brigas e pontapés pro teu endereço, respeito todos os carteiros que andam abaixo do sol cru.
penso em ti cagando e filosofo.




Ubirathan do Brasil é licenciado em Filosofia e bacharel em Psicologia. Atua como compositor, editor e colunista do Jornal Literário Elefante de Menta e publica novos autores pelo selo Editora Carrancas. Publicou Haicai na Marginal Arthur Nonato, 2012, pela BAR EDITORA e Onde Foram Parar Meus Guarda-Chuvas pela Editora Bartlebee, 2015.

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