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Ilustração: Chris Lamprianidis |
O porto que afogou Maria
Maria não sabe nadar
Ela diz que os olhos ardem
E já há lágrimas demais
Pra disfarçar a contração
Das mandíbulas
Enquanto o horizonte
Vai ficando laranja
O mar distorce o verde
Feito folhas secas
Mas a imensidão
Entre Maria e seus pés
É um calafrio que arremessa
A espuma da água
Para o fundo falso
Do destino
Quando as almas aportam no cais
Maria desabotoa o vestido branco
Acende um cigarro de palha
E espera chover.
Enquanto durmo a água é fria
A estátua que dorme no espelho
Só espera a gente acordar
Pra aparentar que existe
Sorrindo sempre por nada
Como se holofotes
Derramassem luz
Na manhã nublada
Da nossa cortina
De cílios colados
Fingindo que
Esclarecer o espírito
Fosse mais cativante
Que tomar banho
E fechar os punhos
Com os olhos cerrados.
Ao carnaval que não atravessou a quarta-feira de cinzas
não há mais oxigênio entre a doca e a maré
tu irás afundar tão lentamente que os demônios
recitarão amém no teu ouvido
e lamberão as pontas dos teus dedos
esperando que tu olhes para trás
como Orpheu num silêncio de despedida
teria olhado infinitamente do mesmo jeito
tu sabes que nunca deverias ter ido
agora atravessaste e não há bandeira a ser erguida
no quarto forasteiro
o chão coberto de cabelos desnutridos
não há porta-retrato de família nenhuma
sofremos esse aborto histérico
e não há mais cura para a tua volta
naufragamos antes.
Eu não quero ir pro céu
eles explicam sobre
bactérias vírus doenças psicossomáticas
crimes sexuais prescritos na bula
da nossa culpa
santos engessados perdoando pecados
de crianças órfãs
sentadas
na sala de espera
como se não pudessem
avisar a Deus que ele não
pode morrer
"it was me waiting for me"
ainda acreditam nas mesmas
catástrofes
mas não aprenderam a diferenciar
silêncio& ferida
dos outdoors pendurados nos motéis
de cores (de)cadentes
ninguém atravessa as crostas
do que deixamos de ser
somente pelo som da chuva
pela maneira como fechamos
a porta de casa
ou como nos habituamos a perder
todas as pessoas que gritam
por não sentirem mais nada
"hoping for somethingelse"
eles vão para o céu.
Teresa Coelho - A parte genética talvez seja de Recife, mas o coração é adotado por Bonito - PE. Não sei se tem 20 anos, ou 20 anos e algumas poesias. Cursa Letras , na Universidade Federal de Pernambuco. Aprecia o percurso dos bichos estranhos que aparecem na parede, principalmente pelo silêncio. Tem poema publicado na revista Boca Escancarada (PB), e em fanzines da NAUvoadora (PE), Lambadaria (PE) e Poetiquê (PE).