O homemé o título do novo romance de Furio Lonza. Autor de estilo inconfundível que, além da dramaturgia, também deixou sua marca no conto e na poesia.
O romance cativa logo a princípio, pois descobrimos, ou redescobrimos, um gênero que alguns julgavam esquecido, mas que sempre foi – ao menos para mim – um dos mais empolgantes tipos de literatura. Não pensamos que ao conhecer padre Olavo, personagem central da trama, na cidade nordestina de São Jerônimo, que um instigante e distópico enredo de ficção científica se desenrola.
Seu estilo é rápido, espirituoso. Os capítulos se desenrolam quase cinematograficamente, situando o leitor no coração da ação. Há sempre no ar uma tensão iminente que sai da geografia brasileira e toma conta do mundo, sendo impossível prever o próximo desdobramento e sempre terminando um capítulo com um clima de fixação no leitor que certamente não vai adiar para o dia seguinte a leitura da próxima página.
O homem traz em porções iguais pontos sobre religião, política, coronelismo, facismo e inevitavelmente sobre o pior da raça humana, sempre sobrepondo aquilo que não consegue entender, por ignorância ou medo. Cabe ao padre Olavo descobrir uma fantástica mutação genética que permite que crianças de uma etnia diferente da dos pais nasçam inicialmente em São Jerônimo e depois assintomaticamente por todas as partes do planeta. Não resta mais nenhum propósito em se agrupar a espécie humana em grupos, já que pretensa homogeneidade que eugênicos buscavam deixa de ser uma realidade. Raças congraçam em sucessão distinta e direta.
A mutação genética, que poderia ser o amanhecer de tolerância que desejamos hoje como seres humanos sociais, religiosos, políticos cidadãos e frequentadores de redes sociais e protestos, surge no centro do romance de Furio Lonza. Dádiva, evolução ou milagre, o incompreendido não é abraçado pelo estado vigente e ideologias. Na leitura de O homem encontramos esse aspecto obscuro de nós mesmos que busca sedento e raivoso apenas por aquilo que é capaz de refletir-nos ou repetir-nos como um espelho ou um gravador. Toda diferença nunca será perdoada. Seria o fundamentalismo a característica mais marcante do homem do século XXI?
O homem é um drama de ficção científica que nos leva por fronteiras muito além da geografia que supostamente divide nossos continentes. A história traz para o verossímil a improbabilidade desconcertante da mistura genética aleatória. Improvável apenas por definição, pois a natureza se renova por adaptações que permitem a sobrevivência das espécies. Dentro desse universo de possibilidades apenas uma espécie desenvolveu uma torpe moral, que contempla a natureza em movimento sem nada apreender do seu curso.
Furio Lonza em O homem nos presenteia com sua escrita dinâmica e empolgante, mas nem por isso menos crua e incisiva na crítica certeira e dura que faz dos primeiros anos do século XXI. Cada um irá se confundir e se encontrar de maneiras diversas na babel genética de um futuro que pode já ter começado em qualquer continente, país, ou cidadezinha remota.
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Roberto Dutra Jr. é um neurótico social como todo brasileiro de cidade grande. Adora literatura, mas as palavras não fazem mais sentido. Mestre em Letras, tem um livro publicado e diversos artigos de caráter acadêmico e crítico publicados. Foi editor de revista acadêmica, contribuiu para jornais e revistas literárias no Rio de Janeiro e tem um seríssimo flerte com a música. Adora gatos e poemas, que movem-se na penumbra e nunca revelam-se inteiramente. Leia mais textos do autor aqui.