![]() |
Fotografia: Nego Miranda |
moeurs contemporains
Oh boy!
I usually only get this excited
when they say the title of a movie
in the movie.
(Peter Griffin)
em meio à dor dos livros
a carne é triste
hélas
e tudo que eu diria
não daria sequer
metade de tudo
que eu diria
(sob as tramas do dia
o bairro chinês plaina
por sobre o metropolitano
que nunca se entrega às nossas vistas)
e é ríspido esse púrpura violento
de fanta uva pousada sobre a mesa
ou recordar tua mão
num cigarro perdido
e ao fundo uma sirene de bombeiros
como inventar uns versos
e dizer que não são meus
l’infini du ciel
c’est l’azur
le plus
blasé
porque de fato
não
são
a voz
Um abutre farto do abismo
pousa entre postes
enquanto aguarda
sua eletrocussão
*
é como aquela
palavra que escapa
e desliza sobre outra
palavra que
escapole
e teima em apontar
outra palavra e mais
outra
até que só nos resta
o silêncio ou o belo
dum
putamerda
e ali carinhosamente aninhar
o desencontro da língua
no desencontro do mundo
metáfora
é esta definição
da vida média de uma
macroestrela
ou a cadência
em que me
digo
que estou
vivo?
*
Horácio não falava da ressaca
que nós contemporâneos tanto temos
o barco afunda e longe vão-se os remos
que lançamos ao mar — aquela vaca
hoje mesmo o poeta mais babaca
escreve algum soneto mais ou menos
feito um bukowski
entoando trenos
pelo poder do deus que o contra-ataca
por certo esses romanos se bebiam
tanto nos seus banquetes literários
imunes logo eram ou então
ao menos literariamente e não
curtiam despender os seus erários
além do carpe diem
ou mentiam?
ou mentiam?
guilherme gontijo flores (Brasília, 1984) é poeta, professor e tradutor. estreiou com os poemas de brasa enganosa (2013, finalista do Portugal Telecom) e o poema-site Tróiades - remix para o próximo milênio (www.troiades.com.br), que constituem as duas primeira partes de um projeto maior intitulado Todos os nomes que talvez tivéssemos.
Publicou traduções de As janelas, seguidas de poemas em prosa franceses, de Rainer Maria Rilke (em parceria com Bruno D'Abruzzo), e d'A anatomia da melancolia, de Robert Burton, em 4 volumes (prêmio APCA e Jabuti de melhor tradução) e das Elegias de Sexto Propércio (2014), dentre outros. participa do blog-revista coletivo escamandro (www.escamandro.wordpress.com). Os poemas aqui publicados fazem parte de l'azur Blasé, ou ensaio de fracasso sobre o humor, livro que saíra em breve pela Kotter Editorial, o terceiro da tetralogia.