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| Ilustração: Brenda Waworga |
Aqueles olhos
Sempre quis saber de quem são
aqueles olhos atrás da moita
aparecem em noites de lua
quando vou à beira do rio
lavar minha cuia.
Ouço seu movimento
Maciço e macilento
Seus olhos de fogo
Inflamam meu pensamento.
Será um bicho?
Um índio amaldiçoado?
Porque só eu vejo?
Devo ceder ao meu desejo?
Enfeitei-me de pena de araras
Urucum e sementes de bacaba
Era minha grande chance
Engoli a seco
Entrei na moita grande.
Não posso descrever
Mas descobri. Depois disso,
ninguém mais me viu
apenas meus adereços
jogados no rio.
Calçoene
Terras nórdicas de Calçoene
Causos e civilizações
Ergueu-se na astronomia
Relógio de sol e constelações.
Secularmente o fantasma
Paira em sua história
Atrás do ouro!
O chamado contestado
Na guerra seu fardo
Seu outro lado.
Calçoene é emblemático
Batiza rio de águas perenes
Que desembocam no imaginário
Com Tarumã.
Luzes das manhãs
A alumiar as cavernas Cunani
ecos abafados de uma longa história
Espólios sem fim.
Incógnita setentrional
Refúgio intrigante
Lugar da chuva
Bela na história
E na figura.
Açucena
Falaram pra Açucena se casar
Mas ela rodou sua saia
Saiu como quem se anima pra passear
Deixou o nego abatido de tanto penar.
Atina morena serena
Que sua sina é só rebolar
Fazer seu mundo girar
Marabaixo até o sol raiar!
Ninguém colhe a flor
Que o tempo botou na paixão
Açucena não nasceu pra se casar
Nasceu pra ser canção.
Cabocla pequena
Cabocla miúda
peneira nas mãos
Cabeça no vento
pés no chã
Dá nó no vestido
dá nó no destino
Tem cheiro de flor
tem cheiro de peixe
Pitiú de trabalho
aroma de gente
No luar se enfeita
no sol se ajeita
Dá jeito pra tudo
seu jeito é mudo.
Taciturna como a floresta
aprendeu com ela a ser feliz.
Não se importa com a amnésia do Brasil
nem se acha pequena.
É tinhosa!
E se sente maior que esse país!
Poemas selecionados por José Inácio Vieira de Melo
Annie Carvalho é Geógrafa pela Universidade Federal do Amapá-UNIFAP. Nasceu em Macapá-AP. É Guia de Turismo Regional. Ganhou o Prêmio Menção Honrosa- CNPq-UNIFAP 2009 pelo artigo Dinâmicas Territoriais. Sua produção inclui poemas, contos e artigos científicos. Publicou trabalhos pela Feira de Livros do Amapá. É declamadora de poesias e possui seu próprio espetáculo: Liras e Mocambos.