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Ilustração: Daniela Delias |
Candeeiros
são luas os olhos de Alice,
dois candeeiros, janela e rio
beirando outros rasos d’água.
viver é atravessar.
Para Alice, sobre os dias
ainda guardo
aquelas flores de Frida
sobre os cabelos
as rosas, Alice
brutas, vermelhas
ternamente dispostas
sobre a lâmina dos dias
há você, eu sei
e esse brio de pétala e espora
esse rumor de alimento
e tempestade
esse peito arma de fogo
mas vêm de meus olhos
o aço o gume a folha
a língua leve e vítrea
a letra atada à tua boca
é de meus olhos, Alice
que se esconde a noite
Sopro
alice sopra palavras em meus olhos
como quem soprasse um cílio
que se desse desarmado
à leveza do sobressalto
alice move um lábio sobre o outro
estende uns dedos de seda
sobre minhas carnes e cortes
depois sopra em meus olhos
a palavra devoção
A manhã
a língua da serpente
ainda toca teu ouvido
conta, Alice,
o que dizem os deuses
sobre tudo o que não digo?
virá do céu que guarda teus olhos
a manhã que brada por meus punhos?
você sabe, é noite ainda
agora só precisamos cantar
e vigiar o fogo
A Noite
impossível medir o tempo
por essas florações
já bebemos nossos mortos
já ruímos nossas casas
já lambemos o escuro
tudo dorme
e Alice ainda canta
Azul
você mapeia os naufrágios
com o azul mais delicado.
não toma uma cor por outra,
a palavra pela coisa.
lave meus olhos, Alice.
antes de ir, lave esses olhos
tão cheios de tudo.
há mais sobre o mar, eu sei,
e você precisa me dizer,
mas não agora.
Poemas de : http://deliasdaniela.blogspot.com.br/
Daniela Delias nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul. Em 2012 publicou seu primeiro livro de poesia, Boneca Russa em Casa de Silêncios, pela Editora Patuá. Em 2015, pela mesma editora, publicou Nunca estivemos em Ítaca, também de poesia. Tem poemas publicados no Livro da Tribo, em revistas literárias e nos blogs de poesia Sombra, Silêncio ou Espuma e Alice e os Dias. É também psicóloga e professora universitária. Mora na Praia do Cassino, em Rio Grande, extremo sul do país.