A voz
A voz
Para valer na página
Tem que vir lá do fundo
Do baço, do estômago
Da veia cava,
do âmago
Tem que percorrer um longo caminho
A voz
Para valer na página
Noventa e seis mil quilômetros de estrada
É coisa pouca
E tem gente que acha
Que a voz nasce é na boca
Pronunciamento (Entoada)
O que não tenho na vida
Eu invento
Nestes cadernos
Faço seco cimento
Parte do que quero da vida
Vem de dentro para fora
Parte que não
De fora para dentro
E só invento
Porque não me contento
Trago em mim muitas paixões
E outros tantos lamentos
E se invento
Faço porque preciso
Para quando, de repente, sentir no rosto o último sopro
Entoar aqui aí dentro em ti mais um pouco
Às escuras
Negro céu
Claro desejo
Todos sonham
É tarde é cedo
Pouca estrela
Para tanto querer
Mas tudo chega tarde
Senhor!
Oh, Senhor, nos dê!
Em nossa reles existência
A extensão de cada viver
Negro céu
Claros desejos
Alguma estrela
Que chegue cedo
Em minha mão
Pois sim
Tenho medo
De ser tarde e muito
E minha vida não passar
Desse minifesto
Em autossegredo
Aço e Giz
pouco disso que faço
tudo nisso que escrevo
algo me diz
não é meu um escrito que traço
nem é meu nenhum laço que fiz
sinto nisso
de não ter nada com isso
que desvendei algum segredo
de não ter nada com isso
que desvendei algum segredo
e talvez seja
desses escritos
tenho por obrigação
ser todo ouvidos
e nada além
eu só parto quando eles já estão
na folha
re/partidos
Matando a sede com cianureto
Sim, eu assumo
eu tenho medo da morte
mas não contem a mais ninguém
não espalhem esse mote
Sim, eu assumo
Que sou fraco porque temo
E temo porque sou fraco
Pelo meu medo me condeno
Eu assumo
Eu tenho medo da morte
Tremo
porque fui ensinado a temer
A fria rapariga de vestes negras
Mãe de todos os filhos para todos os fins
Sim, eu assumo, eu tenho medo da morte.
Do momento vértice nano segundo
Corpo oblíquo sorvedouro
No milésimo não saber
Não estar
Sim, eu tenho
Ante a hora os olhos úmidos
Prometo, no entanto, não bater dentes frente ao que se revelar
Mas por antecipação ando como quem já morreu
Sofrendo a ausência dos bons e velhos amigos do Cilas bar
Prece
Senhor, por favor!
Perdoe todos os poetas
Ah! Os poetas!
Pobres criaturas não fazem por mal
Elas nem sabem o que fazem
Têm essa disfunção no olho
Mania de ver grandeza
Em qualquer bobagem
Foto: Caryn Drexl
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Foi no ano de 1986 que tudo começou. Anos depois da sua chegada ao mundo, Raphael Rocha marcou um encontro com sua presença, mas ela não veio. Da sua "onipreausência" nasceu o primeiro livro de poemas Do Universo Rabisco o Mundo(2011). De lá pra cá, participou de antologias de poesia, e teve textos publicados em jornais do país, como o Correio Braziliense, e sites de literatura. Lançou em 2014, o projeto Commodities, uma banda que tem sua configuração alterada a cada show. No momento, vem trabalhando na divulgação do seu novo livro de poemas Fuga das Horas (2015), lançado pela Editora Patuá. Gosta de olhar as coisas bebendo cerveja. Gosta de beber cerveja olhando as coisas. Escreve.