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25x5 - Curitiba em cinco cantos - Marcelo De Angelis

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REMINSKI

Ozirisguidum,
                                                                 Telêmacoteco, Polacobaco. 
                                                                 Todos ao boteco,
libações aos deuses. 


Curitiba classe média, deleite batavo. 


A catuaba afrodionisíaca, o cataplasma sobre o cataclisma, o trocadilho
sob o aforismo.Monólogos sitos no centro de um circunlóquio de araras
e arapongas. Samurais de quimono e gravata tropicalizando e tropeçando
o e no haikai. Monos se pentelhando e masturbando em asseio público
a lançar bravatas. Iogues comedidos comeditando pierogues, blogues
premeditados em cirílico arcaico, traduzidos para o alfabetobatata e impressos
em acrílico vegetal. A algaravia geral descartando a nação e a noção de
Nassau sobre o mundo: em vão e a vau, naufraga a farsóbvia de Fartichevsky.

– Dubito, ergo cogito, ergo sum... puisque je doute, je pense; 
puisque je pense, j’existe. A duras penas, cogito: se a palavra 
não é de mármore, menos é de granito. Como erigir uma igreja, 
não sobre uma pedra, mas sobre toda uma pedreira, 
senão à custa de mútuas heresias?

É desvendada a canabisbenta do segredo patriárquico. 
Tratados e estratagemas de zukodovo e poemas: varíolas de cores, 
pústulas, odores. Alguém tem que carregar a cruz do Pilarzinho.
A minha já levo no peito.

Do cadafalso para as verdadeiras catacumbas, nunca vi aqui, joões 
e marias de sobrenomes estrangeiros, numa esquina sequer dessa 
romópolis oca de feras e casa de flores, uma macumba, nem mesmo
um corcunda de Notre Dame, um Quasímodo caído, esperando quase
moído, sua Esmeralda, sempre em falta quando é preciso.
Assim sendo, que nada fique debaixo dos panos.
Cadastrados, castos e castrados foram todos os trevisanos.

Ars longa, puta pelvis. Vai por  mim, disse Artischelvis, a arte está 
sempre certa! Por tal, teimosos são os mestres. Um deles somos nós, 
um deles somos nós: agora é que são elas. Quando chegar nossa hora,
estarrecidos, lá estaremos. Ébrios, mas em pé. Perneta, quando pulo, 
pululo de trás pra radiante. Pois que, a título de igualdade, Emiliano, 
Fulano e Beltrano não ousarão contra-irar Sicrano, Narciso ao contrário, 
aquele que escarra a própria cara no espelho.
Dum spiro, spero. Quando conto um conto, não o conto a conta-gotas.
Longe de mim o mero labirinto de deleitáveis palavras: iria da parca 
revolução à amarga premonição.

– Desafiotlux douto Vampiririlâmpago: vostra vodka paródica, conviversa 
em prosa porosa, conta contagiosas fábulas rasas. Se não estou correto, 
que me corrijam os corretores de plantão. A palavra não é imóvel. Ergo...

Não vou agora ser profético, sei mais de mim que de outros, mas tem 
muitos outros em mim que eu não sou. O que sei, ou sou,isso sim, é que 
ao despertar de sonhos intranquilos, na difusa hora em que a noite se faz dia, 
certa aranha marrom viu-se metamorfoseada em um escaboroso curitibano.
Suas duas únicas pernas, lamentavelmente pesadas e proporcionais ao 
volume do resto de seu novo corpo, deslocavam-se sincronizadas em
movimentos eficientes, mas desprovidos de graça. Gotas de chuva batiam 
contra o vidro da janela e o tempo enevoado lá fora era todo melancolia. 

Que tal, pensou, se descesse o rio de bóia e depois, com fogo grego
de palha, incinerasse Tróia e esquecesse de todo esse absurdo?
Mas isso era improvável. A pressão de um dia inteiro de trabalho pela
frente e as contas a pagar esmagavam qualquer possibilidade de fuga.
Na rua, o velho pinheiro, braços estendidos para o alto, deixava que
de si arrancassem, um a um, lentamente, nacos de eternidade.

Fosse fase e era quase, Propp a mente medita. Uma vida sem fertilizar 
a língua é vida, pergunta Ferlinghetti? Morre Malone, Lennon também, 
morre alone e caputti tutti all capone. Eu confesso, não matei ninguém 
nem porra nenhuma. A não ser a mim mesmo. Quem vocês pensam 
que estão? Meu poema eu sofro sozinho. Sou um minotauro perdido
em seu próprio labirinto de vírgulas, parágrafos e travessões.Não seria
um novo Teseu que me faria tirar o que já é meu. Minhas dores são nuas
e de mais ninguém. Eu cravo os dentes no sabor da escritura, sofro o barro,
o suor, o medo e o desejo. Não há veneno nem cura que me segure.
Esse filete de sangue que escuro escoa, vem do útero do tempo 
e cantos remotos ecoa. 

Somewhere Beckett over the rainbow. 
Or Rimbaud? 
Em versão pocket, Saul toca trompete. Dum spiro spero. 
Viver é um ofício severo. Releio Leminski. 
Sobre o branco do papel do risque & rabisque, 
Stravinski em compasso de espera, dança Nijinski.







RAMBOU?


Não se fazem mais poetas
como antigamente, ouvi dizer
De fato, ser uma voz
que proclame todas as outras
E são tantas…

Não contasse eu já com tantos invernos
seduziria alguém de mais idade
faria uma temporada no inferno
(a walk on the wild side)

escreveria alguns versos sórdidos
desses que arrostam putas, travestis
michês, polícias e lambisgoias
todos levando às costas
sua própria cruz machado

Depois, sairia de cena abruptamente
o resto de meus dias entre noias
a traficar nos fundos da Catedral


Até amputarem o poema






CINZAS DA AURORA


Cá nesta senil babilônia, donde emana
a descrença em tudo o que o gênio cria
onde, ávida, floresce a lei da mais valia
e a lassidão sem demora a tudo profana

Cá onde a quimera do bem e mal se dana
e menos pode a retidão do que a fidalguia
Cá onde a absorta e cega democracia
ébria dança qual ensandecida cigana

Cá perdido, e aqui presente, neste labirinto
sem que saiba hoje quem sou ou fui outrora
morituro minotauro pura fúria mero instinto

Conto ainda que reveja as cinzas da aurora
e, num suspiro, reavive o verbo quase extinto
brasa sã que refresca os ardores da memória






AI DE TI CURITIBA
“Sou profeta raivoso de Curitiba?”
Dalton Trevisan – Cartinha a um velho prosador


Ai de ti, Curitiba
cidade esquiva
Já vi tuas abominações
teus adultérios
teus rinchos abafados
e a enorme idade
de tua prostituição
Sei de tuas recriminações
teus cemitérios,
teus riachos insepultos
tua soberba e a dureza
de teu coração

Ai de ti, Curitiba
cidade furtiva
envergonhada
de ossatura medíocre
Sem compaixão, agrides
o que não te agrada
Porventura deve o etíope
mudar sua pele
ou o leopardo
suas manchas
para que aceites
a ti mesma?
Para cá vieram os pássaros,
os ritos, o assombro
aqui amalgamaram-se
raças, fábulas, lendas
indecifráveis farsas e crenças

Ai de ti, Curitiba
cidade enrijecida
Teu vampiro assusta menos 
que teus jovens iletrados
hábeis no manejo
de punhais e pistolas 
deletérias sombras
a se mover siderados
por tuas vias rápidas 
e vielas não menos obscuras


Ai de ti, Curitiba 
cidade envaidecida
tua torre não é de marfim
mas de papel
Imprime nele pois,
teus segredos
revela teu rosto
ornado de soberba
e lambrequins
e aparecerá
tua ignomínia

Ai de ti, Curitiba
quando te purificarás?
Qual será tua sorte
a porção que te
dará medida?
Não te quero
unânime e burra
Digere, pois 
teu rosado pedigree
que nem tuas calçadas
de pave petit 
suportam mais


Sai de ti, Curitiba
essa esplêndida
e carmesim virulência
Vai de ti, Curitiba
Ó cidade aberta
o vento que nos alerta
e reconstrói vidas


Haiti, Curitiba
Haiti, Curitiba
Haiti, Curitiba






ESQUÁLIDA E SISUDA URBE


Casta, esquálida e sisuda urbe
lugar de gente pálida e rude
cuja mudez a alma desvanece:

o vinho da memória te enaltece 

Falta faz aqui o divino Dioniso
destinado a desterro sem retorno

Pudera eu sair por aí de improviso
na lã de tuas tardes de outono

tanger a lava azul de tuas montanhas
provar do verde úmido de tuas entranhas
tingir teus cerrados lábios de vermelho
fazer do fresco orvalho teu fiel espelho

Mas como bem diz o pássaro vento
a chuva é o alfabeto das árvores
e nada inscrito sobre o mármore
é menos passageiro do que o tempo

Vã é a força do homem, que o diga
aquele que, mesmo em idade avançada
mantém-se firme, fadiga após fadiga
e ao fim de tudo, descobre que é nada


Texto, poesia e fotografia: Marcelo De Angelis
Fotos de Marcelo De  Angelis: Luiz Lopes  e  Kraw Penas





Marcelo De Angelis é natural de Porto Alegre, onde se formou em Comunicação Social pela UFRGS em 1986 e desde então vem atuando nessa área, assim como nas artes visuais. 25x5 reúne 5 poemas dedicados à Curitiba, cidade para onde se mudou pela primeira vez há 25 anos e, depois de algumas idas e vindas, fixou residência novamente em 2007. Escritos de forma isolada em períodos diversos ao longo desses anos e aqui reunidos pela primeira vez, os poemas podem ser lidos separadamente e formam uma visão muito pessoal, sem qualquer pretensão de esgotar o assunto, dessa cidade “casta, esquálida e sisuda” que acolheu o autor. Inédito em livro,  De Angelis planeja sua estreia literária para o segundo semestre deste ano. Parte de sua produção poética atual também pode ser lida em:  https://marcelodeangelis.wordpress.com/ 

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