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ITINERÁRIO DO SOL ||| SELEÇÃO DE POETAS CAPIXABAS [PARTE 3]

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ITINERÁRIO DO SOL

introdução e seleção por Jorge Elias Neto



LEIA A [PARTE 1] AQUI
LEIA A [PARTE 2] AQUI




Lucas dos Passos





Lucas dos Passos (1989), natural de Vila Velha e radicado em Vitória, publicou poemas no portal Cronópios, na revista 7facese no caderno Pensar, de A Gazeta. Mestre em Letras pela Ufes (onde cursa o doutorado também em Letras), atua como professor de Latim e Literatura Brasileira no Ifes. Os poemas aqui apresentados são fruto de um ano (2013) em que o poeta se propôs a escrever um soneto por semana.



Uma coisa
                                   Para Marcela

Uma coisa: sentiu-se a mesa então
tão completa, perplexa, mais surpresa:
tudo enleia uma boa prosa – veja:
o bom lábio põe quase tudo à mão.

Outra coisa: não sei, é claro, como
um artefato tão complexo quanto
a língua humana enfim se não irmana-
ria de quando em quando (e como come).

É lógico: o capricho sublunar
vai ziguezagueando quadra a quadra,
cambaleia e sobrevive às escadas;

mas, às expensas do que não se cala,
revela-se desperta, pois se enquadra

exatamente onde queria estar.



Incidental
                                   Para o Ray

Seriam a poética e a política
fardo muito pesado a um só homem?
Comprova o estagirita: nunca foram,
por que seria a vida tão pudica?

Até quem cala já se identifica:
“en la lucha de clases...”, vá a pé.
Dois olhos, dois ouvidos, duas moedas,
e a vida, matemática, se arrisca:

é tão grande o fardo, tão curta a farda;
dorme lacrimogênea, já de molho,
a barba (ou cabeleira) comunista;

e quem vê coração só vê camisa.
Constrói-se a realidade em mil refolhos,

mas a paz interdita: é tudo ou nada. 




Malone morre

Tudo algum dia vai estar bem morto.
E depois? Depois nada. O que veio antes –
se foi quarto de hospício ou de hospital,
centro espírita, igreja – não importa:

o tempo sempre esmaga tudo (dizem
os tolos que no fim ele até cura)
quando passa, imponente, pelas ruas
da memória, ou por concreta avenida;

o passado só volta demolido
como um monte de cacos empilhados
com um contorno algo inverossímil;

e a história recalcitra recalcada.
Vida e livro só deixam a falida

crônica de uma morte anunciada.





*    *    *


Sérgio Blank





Sérgio [Luiz] Blank nasceu em Vitória, ES, em 15 de abril de 1964.Publicou:Poesia: Estilo de ser assim, tampouco, edição alternativa promovida pela Fundação Ceciliano Abel de Almeida/Ufes, 1984; Pus, Fundação Ceciliano Abel de Almeida/Editora Anima, 1987;Um, Cultural-ES, 1989;A tabela periódica, Secretaria de Produção e Difusão ultural/Ufes,1993;Vírgula (1996). Literatura para crianças: Safira, Departamento Estadual de Cultura, 1991.Tem textos avulsos publicados nas revistas Cuca, Letra, Você, e em outros periódicos.



APÓSTROFO SEGUIDO DE S

a minha letra — risco em silêncio
não é a de enxofre
nem consoante fricativa alveolar surda
não é santa ou santo ou são-salavá
a décima-oitava letra do alfabeto
a minha inicial — cronograma em sangue
dois segundos de poema
espírito escrito na cidade
que neon algum ilumina — ofusca em sono
a letra muda desta planta genealógica: cáspite
o esse — cascavel em catacrese
o nome em que me inscrevo no juízo de salomão
minha voz rubricada nestes versos — quatorze no todo



BARROCO NO BAR

sentado a bordo desta basílica alcoólica
faço baralho com todos à vista
ás a rei ao boreal ou ao sul
bebo a todos sem as hierarquias
se sou barão e ele é mais pois é visconde
ou o tal ali possa ser arquiduque
vão todos à merda e duque foi nome de cachorro
barbitúrico à mão de cor tão bordô
faça-me instrumento de sua paz
que a noite é feto e esperança é a última que falece



*    *    *

Casé Lontra Marques





Casé Lontra Marques nasceu em 1985. Publicou os livros: Movo as mãos queimadas sob a água (2011); Saber o sol do esquecimento (2010); A densidade do céu sobre a demolição (2009); Campo de ampliação (2009); Mares inacabados (2008).




Por que estas palavras atiradas à superfície da fala?
uma
ave — talvez água — ávida:

concedemos à sonolência
dos
seres

de sono escasso

o rumor
de uma memória em que

o medo,

a areia, o êxtase,
a sede,
o palco compõem

a ponte

para
outro

descompasso. O texto

do
encontro. Inventa

o retorno,
o avanço. O rastro: vigio

ao redor do mutilado, tateando

por
entre a poeira; narro

— quando
não
nos ouço — o necessário

sobre
seu passado. Corrijo:

sua voz — seu corpo, híbrido —

inventa
o relato,

o fôlego: esmaga, com

as mãos
retesadas, o espaço

que
repousa

nos joelhos,

o espaço
despejado

pelo dia que o silencia,

pela
noite

que o cega, o espaço

resignado a qualquer

ausência,
a qualquer

afago, resignado porque

não se quer
derrotado (apesar de combalido),

nem
interrogado

(apesar

de
compulsivo),

reconfigurando — depois

de aliciar
o aleatório, depois

de
elucidar o latente —

o espaço: para
o parto; o espaço: para a paralisia;

o espaço:

para restaurar — ruidosamente restaurar —
a saliva,
o bulbo, a cica, o sopro que

forma
o fogo; o espaço:

para
apascentar

a apatia;

o espaço: de uma língua
de
alumínio: o espaço:

de um crânio

de
cobre:

o espaço: como um trinco
na
traqueia: o espaço: como

uma teia

de
válvulas

nas
veias,

como uma teia (uma trama

não
de atalhos,

de trincheiras) que

estende
o
circuito

(pelo

signo) de novo

nítrico

do sangue

*
*          *

Porque no momento em que me recolhe
sou somente
um ruído que aprende a respirar
sob seus órgãos;

uma forma — violenta — de incandescência:
como
a condensar as idades

das áreas mais claras
da casa
onde
recebemos a extensão da nossa

insuficiência? Espalho as frutas
pelo assoalho

das horas futuras — o que não significa

que suas alas (voltadas para a água)
sejam
únicas: os cães que retornam, calmamente,

formam uma memória
úmida. Por
entre mapas, — reagindo, — ultrapassa

a impaciência: a lenta

permanência
da impaciência cuja ossatura

excede a fala:

em torno
da
xícara vazia — enquanto

a face
— súbita — vibra:

os objetos que prolongam o corpo,
as letras
que povoam

a página, os segundos

que precedem
o sono
revivem, indefinindo-nos,
o risco
de um riso nítido.

*
*          *

Atravessados por ventos de repente
rarefeitos, lapsos
sísmicos tateiam a inútil

instabilidade

da desintegração: este estímulo
à estima — entre
frequentes fraturas — tantas vezes

articula
uma viva falha: (mesmo

suspeito
ao falso): não

raro respira, como

outros

espelhos, no rastro

dos restos

mal nomeados

*
*          *

Passa outra noite pelos pontos onde
tombaríamos
com a cabeça despejada

sobre a nuca,
num
exercício

que desenvolveríamos próximos
do apuro

de uma pétala

decepada;
nossa noite — aquela que

conhecemos,

apesar do que
ainda

não tateamos;
aquela
que esquecemos,

apesar dos fatos
que
fundamos — nos inunda

até
a cintura: é uma noite

imóvel,
instalada

contra a imensa
água
que nos arremessa

a uma
nova

voragem. Movendo a língua

pela cavidade
da boca, brinco
com a areia
que não quero

na garganta. Mas não repudio

a destruição
nem
o desespero — cultivo,

mesmo
que atordoado,

o desprazer — não o desprezo: diante

da voracidade,
penso
nos órgãos

retalhados; penso —

distante
de estar exausto —

nos ossos
assolados

por
uma fácil

insolação. Destino
ao
pensamento o risco

de um nascimento

físico — consolidando

— nos gestos
do corpo — uma pulsação

de acesso
tanto à sutileza

quanto
ao excesso. Quando

descritos

como legião, iniciamos
outro ciclo

de desabrigos: nossa

imagem

desliza — inutilizando,
desse modo,
a comparação — por resíduos

que não conduzem

nem
ao conflito

nem
à exclusão. Sua subsistência

não deslumbra,

da mesma forma
que
a fome (a fome

que inaugura

uma nova
fúria,

uma
fúria alerta)

não deslumbra —

mas
consome

os coágulos
que
apodreceriam

(calcinados
pelo
cansaço)

no
interior

dos passos, antes

que se fundisse — com
os metais

da
desolação — o organismo

a ser

oferecido aos rios

que
a fuligem

acomoda

no
meio de

outros

desperdícios.

*
*          *

De qualquer forma, estas pedras não suportariam tanto tempo
em contato com olhares nada
cardeais; certa metáfora, planando, abriu uma fresta
no céu da desorientação, depois
desapareceu através da vidraça ainda

precária. Quando o lábio incha como uma imagem
infeccionada, desconfio
dos dentes mas — sobretudo — daquela palavra

mais uma vez reinventada. A construção da manhã
continua tão sólida quanto
um trauma. Da direção da cidade, em meio
a muita brita, vem uma claridade que o poema,

podendo conseguir, não saberá evitar. A construção
da manhã segue tão versátil
quanto uma vertigem. Tentarei
falar antes que o silêncio desloque outra breve vértebra.


*    *    *

Waldo Motta






REFLEXÃO DO PAJÉ

Estrangeiros em nossa própria terra,
sonhamos uma terra fabulosa,   
um mundo legendário,
e vagamos sem rumo nesta busca
do mítico país da venturança,
hebreus em eterna travessia
de um mar vermelho de sangue e vergonha,
ponte entre o precário e o supino
− via que nos leva ao divino.

Pobres almas iludidas,
mirrando em transe errático
neste vasto território, à procura
de outra terra nesta terra,
de outro mundo neste mundo
e outra vida nesta vida.

Em busca de outra terra
jamais encontrada,
quantos índios pereceram!
E quantos pobres diabos
ainda zanzam nestas belas plagas,
iludidos por um cruel engodo,
esfíngico mistério,
enigma simbólico, poético
– enfeitiçados por belas metáforas!

Terra sem mal, que tanto almejamos,
mirífico país, sonho que aflige
as nossas almas mais que o pesadelo,
onde te encontraremos?



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LIÇÕES DE TUPI-GUARANI – III

KOÃ, KUÃ – cintura
KOÁ, KUÁ – cintura, quadril, anca, meio, centro do corpo
KOÁ, KUÁ, KOARA, KUARA – furo, orifício, buraco, gruta
KÕY – duplo, gêmeos, unidos
KUÃY – preceito, mandamento, ordem
KOÕ – pungir, queimar, irritar, arder
KÕÕY – ofender, injuriar, desagradar


LIÇÕES DE TUPI-GUARANI  –  IV

KU – língua
KUÁ – porto, baía; quadril, anca, meio; orifício, buraco
AKU – quente, tépido, cálido
KUABA – saber, conhecer
KUAKUBA – esconder, ocultar
KUAPABA – sabedoria, conhecimento, ciência; sinal, marca
KUAKUPABA – esconderijo, refúgio
KUAPARA – sabedor, estudado, cientista, erudito
KUAKUPARA – escondedor, ocultador




*    *    *

LEIA A [PARTE 1] AQUI
LEIA A [PARTE 2] AQUI




Jorge Elias Neto (1964) é médico, pesquisador, cronista e poeta. Capixaba, reside em Vitória – ES. Livros: Verdes Versos (Flor&cultura ed. - 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&cultura ed. - 2010), Os ossos da baleia (Prêmio SECULT - ES – 2013). Participação: Antologia poética Virtualismo (2005), Antologia literária cidade (L&A Editora – 2010), Antologia Cidade de Vitória (Academia Espírito-santense de letras – 2010,2011,2012,2013) e Antologia Encontro Pontual (Editora Scortecci – 2010). Colabora com poemas em vários blogs e na revista eletrônica Germina, Diversos-afinsm Mallarmargens e no Portal Literário Cronópios. Membro da Academia Espírito-santense de Letras onde ocupa a cadeira de número 2. BlogEmail.





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