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10 POEMAS DE "BISCUIT", DE BRUNA PIANTINO

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a capacidade de iniciativa cf. o céu


na escuridão
nada se via
as botas encharcadas
entre as encostas do mar
e os charcos da planície

o vulto
do cavalo
que teria ganas de te possuir
como todos os homens da vila

a aparição do cachorro
que te lambia a mão
para dizer: não estás sozinha
venha que eu te mostro o caminho

e chovia



  
a capacidade de se conformar cf. a terra


alguma transparência
no tempo
indica a fuga dos
cavalos arrastados
nas pedras
irradiados pelas
correntes de vento
castigo
verbo transpiratório

exuberância valia
família
e o que se recebia
só crivo nos doces
tornozelos
cicatriz sem unguento
banzo nas despedidas
alívio
pranto de claustrofobia

cai a noite faz-se dia
contínuos
passeios com sombrinhas
nada mais que escravos
da rotina
lentamente feridos
mosquitos sobrevoam
cravadas
marcas da anomalia



  
condescendência inicial


semelhante à palha verde
um pequeno
louva-a-deus no verticilo
protuberante do milho
conheceu
da alameda ao quarto vazio
hipnotizado pela escadaria
que absorve
o bálsamo da cozinha

no ímpeto da força de
propulsão
esticou as esguias patinhas
o corpo assustadoramente
exato
os olhos esbugalhados
ultrapassavam o campo
de visão
acima de qualquer êxito

ao tentar me aproximar
devagar
sentiu-se acuado
mostrando olhar
receoso
de bicho cabisbaixo
fixado em lembranças
regressas
de vidas predadoras



  
dentro da terra há uma montanha


numa dessas andadas
dentro de
matas circundadas por
Moeda apareceu
um tizio
veludinho brilhante
piruetando no toco
gasto por
saliva de mutucas

veio em minha direção
chamado
de prontidão por línguas
naturais de passeriforme
negro
macho sem espólio com
tanta velocidade
abrindo
trajetória ao nariz

esquivado por medo
fratura
comunicação venal
verbivocovisual
sedução de
filo correspondente
cosmoquímica austral
foi-se sem
rastro em disparada



  
o declínio


sua lucidez é assustadora
há muito não sei o que é comer
simplesmente organizo
as coisas à minha volta
presa como estou
no mundo das ideias
que tipo de besta serão
todas as inclinações amorosas

um fígado que não se deixa esquecer
também ácida saliva
qualquer coisa de insustentável
medo
de ver-se transfigurado
em um rato seco e enrugado
ter verdadeiro horror do espelho
guardar a morte mais lentamente



  
os dias se alongam gradualmente


quinta-feira 13
o padrão
xadrez da gabardina
ultramarina vertida de
poeira plus
plasma plushidrogênio
na transmutação da energia
do firmamento
em bólide de ferro plusníquel

fusão entre montante
e jusante
latente e patente
sucesso e fracasso
fasto e nefasto
manifesto e imanifesto
português e matemática
parênteses plus
colchetes plus chaves

torres plus arcos plus pináculos
gárgulas
muralhas pluscampanários
atirados ao lago
de fios
costurados por fogo plusenxofre
à morada do astro portador
do brilho
sintetizado da galáxia

mariposa albina
pousada
em canoa de prata plusbismuto
paralisa ser decupado
do cóccix
aos músculos da boca
perante caráter súbito
trimegisto
carrossel irreversível



  
o exército em estado de prontidão


palavras são como
formigas
que carregam em si
um significado
bem maior
do que elas próprias

algumas tornam-se
tão precisas e bonitas
inascível
demover
do grávido
círculo da felicidade

enquanto outras [puro fel]
levam o sabor do amargo
pallor
algor
rigor
livor
mor tis



  
pequena parada


lutar pelas coisas que se deseja
: queda de braço
deslizar sobre patins em linha
crescer e catar cabelos brancos
nascer com cabeleira loira e diastema
ter cabelos infantis
emaranhados no decorrer da noite
: guardar as lentes de contato
para exibir óculos espelhados
ser canhoto ou estrábico
portar um sinal no corpo
que te torne ainda mais simétrico e liso
com os músculos sutilmente torneados
pés e mãos com proporção e personalidade
: contar a pulsação vigorosa e terna
que abandona o recato
onde a neve e o gelo se amontoam
mesmo no verão
para se embrenhar da quilha à vela
na construção do barco
catar conquilhas
bivalves na arrebentação



  
tropas


a pata do urso hiberna no front
a turba se atropela
sob custódia do anonimato
do acionamento da bomba
ao fogo da bola de borracha
um estouro de manada

olhos
imediatamente cerrados
imersos na cortina de fumaça
invadidos pela umidade
na automatização do vácuo
entre cidadão e repressão

alguns mais sensatos
param atrás das árvores
com suas máquinas
as metralhadoras de imagens
e suas cápsulas
adormecidas no gramado

do alto dos prédios
lê-se
na escrita universal
s.o.s.
deus e o diabo na terra do sol
e a lei sagaz do cangaço



  
um fogo irrompe das profundezas da terra


quando se está sozinho
a proteção
externa inerente
e inconsciente da solidão
pressupõe
a fragilidade e incita
a cooperação natural
ou uma não ação
por excesso de desejo

num beco bem iluminado
vê-se
a primeira estrela da cidade
apontada pelo céu navy
com nuvens
que caminham quickly
os postes das avenidas
cegam opticamente
os astros avivados na campanha

todo dia é noite
na cidade
soturna por seus convidativos
cruzamentos urbanos
na iminência
de um Jack Estripador
ou da nudez absurda
in the box

de uma Kate Moss




Foto: Elisabeth Moore



*    *    *    



Bruna Piantino nasceu em BH (MG) em 1978, há 11 anos pratica Ving Tsun, é autora dos livros de poesia "Breus" e "Bastão" e do livro infantojuvenil "O siri e a sombrinha". Realizadora dos vídeos "448" e "Ming Jai". Produtora do longa-metragem "Trésor" e dos curta-metragens "Cocamado", "Que Coso", "Bastão" e "Moths". A presente seleta integra seu mais recente livro de poemas "Biscuit" (2014).


















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