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"O Último Refrão da Música" de Lisa Alves

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"El velatorio'" de Eugene Smith


"E não gostavas de festa. . .
Ó velho, que festa grande
hoje te faria a gente."

A Mesa | Carlos Drummond de Andrade 





Quando um pai morre
uma filha reveste o pescoço de proteção
e joga sal grosso na casa
e toma banho de ervas benzidas.

Quando um pai morre
morrem também os espinhos tutores das rosas,
morrem os bravos guerreiros do inconsciente
e a força motriz q nos faz caminhar no Tenebroso Mundo Nosso.

Quando um pai morre
os outros homens tiram os chapéus
& os carregam contra o peito
& cantam pelos órfãos da casa
& choram e bebem até que a alma
do paimorto se levante e cante o último refrão da música:
             
(só quem vela conhece a canção)

Quando um pai morre 
as mães vagam em um deserto imaginário;
folheiam o álbum de casamento e quando um filho queda
a mãe repreende: “Ainda bem que Ele não está aqui para assistir isso!”

Quando um pai morre 
o nosso yin yang  fica manco,
um dos pólos derretem,
as vezes fica só o dia ou
somente a noite povoando
                         [as estações.

Quando um pai morre buscamos nas escrituras sagradas
uma eternidade tardia e se não a encontramos
decodificamos “A Mesa” de Drummond
até nos acharmos em um daqueles filhos
e digerir a ideia do ciclo natural da existência.

Quando um pai morre nossa orbe
 fica sem um pedaço e uma ferida
se expande silenciosa até chegar o
tempo de uma inevitável metástase.

Quando um pai morre partimos para
o deserto mais instantâneo e gritamos
pelo nome do progenitor até que o
lugar inabitado destrua o eco de nosso luto.

Quando um pai morre um filho surge
em outra banda do mundo – o qual
será também, um dia, mais um pai que morre
 com todos os benefícios adquiridos pela vida e pela morte.

E as mães? Não! Uma mãe nunca morre.





poema de Lisa Alves



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