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Ilustração: deviantART |
O pio da coruja
Paro!
Desisto do momento!
Desisto da Lua e de Vênus
O meu tempo parou!
Meus olhos
Não encontram os ponteiros
Do tempo
Paro!
Paranoia
Paro!
Paroxetina
Desisto do dia
Bílis negra negra negra
Colisão com a minha dor
Noite visceral
Pio da coruja
Pia um dó
De dor latente
Pia um lá
Lá na minha alma
Parado, fico!
Sem ação
Sem vontades
Sem desejos
Sem orações
Sem Deus
A coruja pia
Na pia do meu banheiro
Solta suas notas nos meus ouvidos
Martelam sol
Martelam ré
Martelam meus devaneios.
Paro!
Desejo Thanatos
Suavemente, ele me toca
Seu sopro é gélido
Quero a quietude da noite
Quero apenas um dia para morrer
E depois acordar
Preciso agora
O tempo se dissipou
O relojoeiro é cego
O tic tac da coruja
Amortece a morte
A moira tece
O meu manto sepulcral
Um corte rápido aliviaria
Um projétil rápido aliviaria
Paro!
Paronomásias
Eros amanhã
Thanatos, agora
O pio da coruja é como uma bigorna
Atravessa meus ouvidos
Vibrações que aceleram minha vontade
Agora!
Profaníssima Trindade!
I - O Riso
Rio da minha desgraça
E Deus ri de mim
Jocoso!
Assim, me liberto do medo do diabo
e me sinto intimo das suas gargalhadas
que descem como borbulhas de vinho pela garganta
O riso me desarma
Tira minha razão
Me liberta
Eu afronto pelo riso!
O riso distorce o rosto da seriedade
e debocha da verdade
Descarrega, como raios, o humor e o escárnio
E os mistérios são desacrilizados
Contamina a insipidez da carne
Tudo pode ser risível
Jesus Cristo sorri dos açoites na sua podre carne
Mohammad sorri do anjo Gabriel
O Papa sorri do Gênesis.
O Estado sorri do povo flagelado
Fazer rir a verdade
Fazer rir da verdade
E rir da paixão insana pela verdade
É estultice não rir de si
O riso é um cacto de espinhos nas costas da seriedade
A comicidade lança seu veneno
Ri do homem nietzschiano
Sem paixão
Sem sonhos
Cansado da vida
O riso corrói a face da razão
Disfarçado de guizos pelo pescoço
II- O sexo
Está na cabeça da igreja
No confessionário entre fendas e buracos
Cheirando a mofo do cortinado de veludo?
Quem está do outro lado?
Um sem pecado que carrega o sexo entre as pernas?
Confesso que pequei!
Desejei ver além dos buracos que separam meus pecados
Além das vestes longas após o credo e a Ave Maria
O sexo está nos guetos
No lusco-fusco das calcinhas das putas
Nas tabernas embriagadas por bêbados
Nos becos sem saída, travessias de gatos e ratos
Nos muros caiados de gozos e gemidos
Está nas camas de lençóis finos e brancos e perfumados das famílias burguesas
O sexo é um quebra-cabeça
As partes formam o corpo
Desconhecidas
Desencaixadas
Algumas sujas e sofridas
E amassadas e rasgadas
Faltam partes perdidas pelo tempo
Jogadas em alguma gaveta da casa
Desintegradas e fragmentadas
Indefinidas
O todo, impossível!
III – O belo
Desconstruo o espelho
Ele não mais reflete meu corpo
Nem minhas ideias e nem minhas verdades
Vejo a desfiguração e a desmontagem de um ser
Contemplo meu corpo nu
Desinteressante prazer
Pelos e pele me cobrem
Desarmonizados
Sem graciosidades e sem verdade
Meu destino trágico não sustenta a beleza
Nem a Vênus de Hohle Fels
Nem a Vênus de Willendorf
Com seus seios, vulvas, barrigas e fertilidades
A beleza foi vista nua.
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Ilustração: deviantART |
A sombra da névoa
Os paralelepípedos daquela cidade fantasma
Com seus desejos tectônicos
Poros que exalam agonias e gritos e silêncios
Fraturados
Pelas peles negras
Ao sol
À noite
À chuva
Não sentem mais o peso dos corpos
Todos morreram
Dentro da rocha
O tempo racha
Rasga os interstícios da sordidez
Rasga as tramas da solidez
Da solidão daquele vilarejo
A porta feita com madeira lei
Daquela igrejinha
Encravada no alto daquele morro
Está aberta
Entre teias de aranha
E aranhas que tecem e destecem o tempo
Só há ecos da voz do vento
Que saem pelos buracos das janelas
E vão ao encontro da natureza
Morta
Folhas secas
Ressecadas pela amargura dos moradores
Adubos da aridez do tempo
Espalhadas pelos túmulos daquela cidadezinha
Rasgos de arrependimentos atravessam as lápides
E singram pelas vias como navios sem bússolas
E veias enrugadas pelos magmas
Deslizam como sangue
E estremecem a cidade fantasma
E estremecem os paralelepípedos
Tudo ali é sombra da névoa vinda das montanhas asfixiadas pelo abismo
O sopro da morte é o pó da estrada
Sugando as vidas que pulsavam naquela cidadezinha
E caminha sem pressa coberta pela névoa de asas noturnas
Sua sombra carrega o peso das cabeças arrancadas
Sem beatitudes
Sem clemências
Preferências refutáveis
Prefiro o frio
Com suas nuances e sutilezas de portas e janelas fechadas
Prefiro o calor
Com sua virilidade suada e a boca sedenta e a pele ígnea
Prefiro o outono
Com suas pinceladas nas costas das nuvens e suas tardes angelicais
Prefiro a primavera
Botões explodem cores e espalham vertigens pelo ar
Prefiro amar
Com suas incertezas, ilogismos e delicadezas
Prefiro sentir
Todo o meu corpo
Prefiro sorrir
De mim e do outro espelho
Prefiro chorar
Lágrimas reais como ácidos no meu rosto não mais juvenil
Prefiro fogo
Com seus dedos sarças incandescentes
Prefiro água
Depois de ter bebido a última gota
Prefiro o eu
Depois do espelho
Prefiro o sim
Quando tenho a certeza de contradizê-lo
Prefiro o não
Quando todos têm razão
Com suas nuances e sutilezas de portas e janelas fechadas
Prefiro o calor
Com sua virilidade suada e a boca sedenta e a pele ígnea
Prefiro o outono
Com suas pinceladas nas costas das nuvens e suas tardes angelicais
Prefiro a primavera
Botões explodem cores e espalham vertigens pelo ar
Prefiro amar
Com suas incertezas, ilogismos e delicadezas
Prefiro sentir
Todo o meu corpo
Prefiro sorrir
De mim e do outro espelho
Prefiro chorar
Lágrimas reais como ácidos no meu rosto não mais juvenil
Prefiro fogo
Com seus dedos sarças incandescentes
Prefiro água
Depois de ter bebido a última gota
Prefiro o eu
Depois do espelho
Prefiro o sim
Quando tenho a certeza de contradizê-lo
Prefiro o não
Quando todos têm razão
Mauricio Gomes é professor de Literatura e coordenador pedagógico do Ensino Médio e Especialista em Jornalismo Cultural. Seu primeiro livro (Des) Caso com a poesia: Inquietações foi lançado em 2010. Em Portugal, foi selecionado para participar de uma coletânea com os melhores poemas da literatura portuguesa contemporânea, o nome do livro é Poética. O seu trabalho poético também está em Moçambique, em Maputo, na revista literária Literatas. Em 2014 foi convidado para participar do Festival de Poesia Internacional no México e do Festival de poesia da Unesco, também no México. Acontecerá em abril de 2015, o lançamento de seu primeiro livro bilíngue, português-espanhol, com o nome Sangre Gris. Será lançado no México. Em junho de 2015, participará do 2ª Encontro de poesia Internacional, novamente no México.