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Ilustração: Wladimir Kush |
1.
A palavra
- guia mestra do poeta -
segue seu caminho
sinuoso pela folha
rasurando o silêncio
do não-lugar.
A palavra é
a descruzadora de sentidos
a formadora de colunas
e a âncora do navio da alma
2.
o meu amor
é bandolim
afinado em ré
e o que sou
quando junto dela:
uma valsa
tocada em si bemol
(não falo de amor:
toque-desejo-posse.
falo de harmonia:
acordes que se completam)
3.
solidão cercada
por cimento, concreto e asfalto
acima e nos lados
piramides modernas
erguidas e esculpidas
por escravos
a concretude da vida
está guardada em mim
solidão
sólida
soerguida
por ninguém
sem dor e sofrimento
abaixo de mim
apenas o chão de concreto
sou o além-chão,
sou o lado sólido da palavra
eu sou um poema erguido
como se erguem paredes
sólido
medido
e
estruturado
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Ilustração: Wladimir Kush |
4.
eu sou o não-ser
o princípio do precipício
o amigo do louco
o ser etéreo
sem som
sem voz e notas agudas
sou ainda a voz inaudível
sou aquilo que se escreve e que não se concretiza
sou o fundo do mar
o início do fim da via láctea
aquilo que se diz
e não se ouve
o que se come
e não se nutre
ainda serei
mas não posso vir a ser
se já não sou
5.
o passado pulsa em meu sangue
poderia afirmar que é o motor do meu corpo
ou a força que move o meu caminhar
o passado está em mim
me vigiando e me acompanhando
aonde eu vou o passado irá comigo
6.
a
intensidade
das
pequenas
coisas
faz
falta
no
dia
a
dia
7.
a palavra semente
germinará
no campo branco da página
florescerá
em quem a lê
e
murchará
no esquecimento
volúvel dos dias
8.
sigo calmamente
o vai vem
da folha seca
que dança agarrada
ao vento
flutuando
no ar
9.
após descompassadas notas
o aplauso, o silêncio e a solidão
fim do espetáculo
morte
e fim
de mim
(a vida não é um disco com faixa bônus)
Léo Prudêncio nasceu em São Paulo (1990). É graduado em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UEVA). Publicou em 2014 o livro de poemas Baladas para violão de cinco cordas, pela editora Penalux. Atualmente reside em Goiânia.