Convite
O chá e os bolinhos de chuva
assim como o seu convite de casamento
(que não pude aceitar)
ainda esperam, você me diz,
enquanto olha a chuva e as janelas vizinhas
coloca seus sapatos para secar
e pensa:
(será que lá são infelizes?).
Leio Sylvia Plath ao sol da tarde
e digo:
(que não pude aceitar)
ainda esperam, você me diz,
enquanto olha a chuva e as janelas vizinhas
coloca seus sapatos para secar
e pensa:
(será que lá são infelizes?).
Leio Sylvia Plath ao sol da tarde
e digo:
(a única decisão que posso tomar é a disposição dos quadros).
O Albatroz
O albatroz solitário fez ninho sobre o convés abandonado do navio
e pôs um ovo.
Na cidade, um menino estudava trompete
a princípio uma música descosida e qualquer
mas o albatroz, sensível, tomou para si este canto sem dono e inútil
e disse: será o canto do seu primeiro entardecer, filho
quando as aves estiram longamente suas asas
limpam suas penas e adormecem sem desassossego.
Mas os dias se passaram e o ovo não vingava sobre o casco progressivamente mais longe do céu
e o albatroz não procurou mais uma canção
inaugurando os momentos de seu pequenino como o natal e seus presentes
um a um.
O albatroz ficou em silêncio e as minhocas e insetos
ressequiram-se
ou desapareceram do convés.
A lua ia alta no céu quando a água umedeceu-lhe as patas
como num doce aviso ignorado.
O ninho se desfez ao nascer do dia.
O menino não tocou mais trompete
nem nenhum instrumento
cresceu.
Tornou-se um grande financista e dedicou-se à caça aos pombos.
Cena de cinema
Entre nossos olhares havia uma cumplicidade de mar e marinheiro...
Paisagem
Na manhã, pipas ensaiam asas e a moça na janela espera notícias trazidas pelo vento. À tarde o visitante contempla o painel de conchas acima do sofá, enquanto as gaivotas cantam canções de pedra, para retinas sem paisagem. Minhas mãos choram lamentos de lavadeiras, mas ouço o barulho do mar em búzios. Anoitece e um garoto de patins desce a ladeira, na varanda uma velha tem voos rasantes de memória... Mas olhamos para nenhum crepúsculo!
Ilha
Sobre a mesa
havia uma bandeja de louças brancas e café com leite
bolo de maracujá
e um continente, separando nós dois.
Sobre a mesa havia também
livros de poesias
e na noite que começava havia uma varanda com um jardim
um blues que não ouvíamos
e um continente, separando nós dois.
Bastaria estendermos às mãos, sobre aquela mesa
deslocaríamos placas tectônicas
faríamos abalos sísmicos
e qualquer país.
Minhas noites nunca mais foram as mesmas
desde aquele continente, separando nós dois
e na ilha que me fiz.
havia uma bandeja de louças brancas e café com leite
bolo de maracujá
e um continente, separando nós dois.
Sobre a mesa havia também
livros de poesias
e na noite que começava havia uma varanda com um jardim
um blues que não ouvíamos
e um continente, separando nós dois.
Bastaria estendermos às mãos, sobre aquela mesa
deslocaríamos placas tectônicas
faríamos abalos sísmicos
e qualquer país.
Minhas noites nunca mais foram as mesmas
desde aquele continente, separando nós dois
e na ilha que me fiz.
Colisão
Os gritos ecoam nos olhos dos pássaros
tanto azul nas tardes e nenhum voo.
A casa transpira. A cidade ferve.
As flores em frangalhos despetalam.
Minha alma portuguesa quer fado
tricotar tecidos e tapetes perfeitos para voar
além mar.
Mas nas tardes de tanto azul
meu grito é seco, ecoa nos olhos dos pássaros
nos fios dos postes
feito violoncelo
seta
alvo
colisão.
A casa transpira. A cidade ferve.
As flores em frangalhos despetalam.
Minha alma portuguesa quer fado
tricotar tecidos e tapetes perfeitos para voar
além mar.
Mas nas tardes de tanto azul
meu grito é seco, ecoa nos olhos dos pássaros
nos fios dos postes
feito violoncelo
seta
alvo
colisão.
Os voos
Não tentei
mas sei
nós, aves, morremos dos voos
que não os demos.
(A serena possibilidade do abismo)
Biografia: Franck Santos é um homem comum, ilhado em São Luís, cidade esta que tem mar, porto, sol e céu azul o ano inteiro, mas prefere dias nublados e chuvosos, uma casa no campo, vinho e blues.
Publicou Fogo Fátuo (2011) e Quando o azul não desbotava (2014), ambos de prosa poética.
Fotografia de Dimas Gianuca