Jorge Elias Neto não é um autor estreante. Além de diversas antologias, o autor capixaba já tem três volumes publicados e surgiu em 2014 com um novo livro de poemas, Glacial, pela Editora Patuá. Um livro preparado como um derrame, digo, de palavras pela terra. Assim me sugeriu o poema inicial. “Compondo o sítio arqueológico” – um jardim de epifanias que se expande.
O autor nos apresenta a grande chave da própria obra justamente com seu poema inicial. Em se pensar em epifania, cada poema torna-se um símbolo a ter atribuído seu significado (ou mais de um) ao longo da leitura. A possibilidade de múltiplas leituras confere universalidade ao seu texto, uma das mais desejáveis características de uma obra de arte. A poesia acontece no leitor tanto na leitura quanto no despertar para o significado. Glacial obriga a um silêncio interior em que perguntas buscam o próximo verso imanentes de caminhos a serem seguidos. Essa imanência da arte literária vem à tona como nos versos: “o céu conspira / dentro de mim / ponto / sujo no útero / da neve”, do poema “Insignificância”. Uma bela metáfora sobre a ontologia poética e individual em que o pessoal poético de um autor é tensionado pra tornar-se não apenas pessoal, mas universal, por conseguinte.
Poesia e enigma parecem estar à espreita em Glacial e a construção do eu poético surge gradativamente. A jornada dessa construção de sentidos pode ser percebida mesmo pelos títulos dos poemas que demonstram uma expedição do “sítio arqueológico” ao “sujeito”. Uma trilha inconstante, talvez como nos versos do poema “A logística das formigas”: “em fila, /agarradas / à impossibilidade.” Muito provavelmente outra meta-referência. A arte em si é uma impossibilidade, a poesia, insustentável. Essa impossibilidade, que ainda assim faz avançar os poetas encontra seu ponto alto no poema “Discurso para o cadáver”. Qual porém, autor, é o corpo morto? A poesia, ou o poeta? Afinal, “um momento – breve – / (o tempo de observar a indecisão / das chamas perante o choro / humano)” é o momento em que vive na leitura o poema, e depois cessa.
Poemas como “Máscara mortuária”, “Inércia”, “Um resto de sol no desalento”, levam adiante a soturna figura que uma morte ocorre envolvendo os poemas em uma trama que precisamos entender. Durante a leitura, a questão do homem que cessa e com ele a poesia, percorre meus pensamentos. Será que Jorge Elias Neto sucumbe no indizível? Ouso responder que em Glacial a mesma palavra que anuncia o cadáver, é a palavra que o preserva para sempre, porque a palavra é a própria presença do homem.
Estranho me parece, mesmo depois de seguidas leituras, um uso equivocado de epígrafes. O conceito da epígrafe é o de conter ou introduzir o significado de algo. O texto subsequente, claro. Seu uso como parte constitutiva do poema, como faz o autor, parece ligeiramente exagerado. Ainda mais se boa parte delas parece vir de outros textos de sua própria autoria, o que resulta numa incomum autocitação. Este aspecto destoa com a coesão do volume.
Por fim, Jorge Elias Neto também nos traz poemas como “Pisco”, “Paisagem” e “Cronópios”, contrapontos finos ao soturno fio condutor do livro. Poemas que compõem outros pontos de relevância para o “sítio arqueológico” em que repousa a cadeia de poemas de Glacial, que ainda traz as ilustrações de Felipe Stefani em perfeita sincronia com os poemas. Como disse acima, a mesma palavra que anuncia o cadáver, é a palavra que o preserva para sempre, exemplo disso, os versos finais do livro, que reverberam na existência do poeta e da poesia: “A serenidade possível / sem um deus, não / está ao alcance dos eus / idealizados, / mas no sujeito / cuspido e escarrado, / despido / de deslumbramento / – marcado. ”
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Jorge Elias Neto (1964) é médico, pesquisador, cronista e poeta. Capixaba, reside em Vitória – ES. Livros: Verdes Versos (Flor&cultura ed. - 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&cultura ed. - 2010), Os ossos da baleia (Prêmio SECULT - ES – 2013). Participação: Antologia poética Virtualismo (2005), Antologia literária cidade (L&A Editora – 2010), Antologia Cidade de Vitória (Academia Espírito-santense de letras – 2010,2011,2012,2013) e Antologia Encontro Pontual (Editora Scortecci – 2010). Colabora com poemas em vários blogs e na revista eletrônica Germina, Diversos-afinsm Mallarmargens e no Portal Literário Cronópios. Membro da Academia Espírito-santense de Letras onde ocupa a cadeira de número 2. Blog. Email.
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Roberto Dutra Jr. é um neurótico social como todo brasileiro de cidade grande. Adora literatura, mas as palavras não fazem mais sentido. Mestre em Letras, tem um livro publicado e diversos artigos de caráter acadêmico e crítico publicados. Foi editor de revista acadêmica, contribuiu para jornais e revistas literárias no Rio de Janeiro e tem um seríssimo flerte com a música. Adora gatos e poemas, que movem-se na penumbra e nunca revelam-se inteiramente. Leia mais textos do autor aqui.